capa Revista de Direito de Informática e Telecomunicações, v. 1Walter Vieira Ceneviva

Advogado. Diretor da ABDI. Professor do curso de pós-graduação em Direito das Telecomunicações do Instituto de Pesquisas Jurídicas – IPEJUR, da Universidade da Cidade do Rio de Janeiro – UniverCidade, nas turmas de São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília e coordenador do mesmo em São Paulo. Sócio de Vieira Ceneviva Advogados Associados

*Artigo originalmente publicado na obra “Revista de Direito de Informática e Telecomunicações – Vol. I.

O impacto das novas tecnologias sobre o direito posto é enorme, destrutivo: conceitos outrora claros e dominados se tornam equívocos, incorretos, ou mesmo inconàpatíveis com a realidade. A tecnologia que permite comunicações de voz no protocolo IP (Internet Protocol) é um exemplo disto e seu efeito sobre a regulação das telecomunicações é importante. Tal aplicação é descrita pela Federal Communications Comission, a agência reguladora norteamericana, da seguinte maneira: 

Como VoIP / Voz pela Internet Funciona
A VoIP converte os sinais de voz de seu telefone num sinal digital que trafega pela Internet. Se você chamar um telefone normal, então o sinal é convertido novamente, na outra ponta. VoIP permite que você faça uma chamada diretamente de seu computador, de um telefone VoIP especial, ou de um telefone tradicional usando um adaptador. Além disso, novos “hot spots” sem fio, em áreas públicas, tais como aeroportos, parques e cafés, permitem que você se conecte à internet e muitos viabilizam o uso VoIP sem fio. Se você fizer a chamada, usando um telefone com adaptador, será possível realizar chamadas como sempre aconteceu e o prestador de serviço pode até dar o tom de discagem. Se o seu prestador de lhe atribuir um número de telefone normal, então uma pessoa poderá chamar de seu próprio telefone normal sem ter de usar um equipamento especial.

Nesse artigo, pretendemos pontuar o regime regulatório dos serviços de telecomunicações, o conceito de serviços de valor adicionado, as diversas formas regulatórias de prestação de serviços de voz, para concluir com uma abordagem dos serviços de voz, na tecnologia IP, à luz da legislação brasileira do setor. 

Por primeiro verificamos se, e como, o Poder Público, notadamente a Anatel, pode impor restrições à prestação de serviços de telecomunicações. Constatada a possibilidade de imposição de restrições, mas sempre focada nos princípios e comandos impostos à Anatel pela Lei Geral de Telecomunicações, o segundo passo é compreender o que sejam os serviços de valor adicionado. Terceira etapa é conhecer, ainda que superficialmente, o regime regulatório dos serviços de voz no Brasil. O direito comparado é a quarta etapa do estudo a que nos propomos para conduzir às conclusões a que chegamos, referenciadas a hipóteses concretas de serviços de voz. 

1. O novo modelo brasileiro das telecomunicações 

Até a edição da Lei n° 9.472/97 (a “Lei Geral de Telecomunicações”), as telecomunicações brasileiras erain regidas pelo vetusto Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei n° 4.117/62) e por seus regulamentos, um emaranhado de normas de interpretação confusa, multifária,3 cuja aplicação adequada sempre foi relegada para segundo plano, em função do modelo estatal centralizador que comandou o País durante a maior parte de sua vigência. 

Sob o “Código”, a outorga dos serviços de telecomunicações era centralizada no Ministério das Comunicações e os critérios de outorga eram subjetivos. O-Poder Público possuía poderes majestáticos, imperiais, os quais exercia sem preocupação de coerência, legalidade, conveniência, oportunidade. O exercício arbitrário de tais prerrogativas era robustecido pelo temor (ou terror) dos operadores de telecomunicações de buscar amparo judicial para proteção de seus direitos: caríssimos são os casos (mas geralmente bemsucedidos, ressalte-se) em que um licenciado questionou uma decisão do Ministério das Comunicações, mesmo nos (tantos!) casos em que a ilegalidade era manifesta. 

Nem mesmo o advento da Constituição de 1988 modificou este hiato, apesar da ostensiva inconstitucionalidade (ou não recepção) de muitas das disposições do Código Brasileiro de Telecomunicações e das posturas do Ministério das Comunicações com a Lei Maior. 

Esta situação jurídica evoluiu, por determinação do ambiente econômico nacional e mundial: o Estado esgotou a capacidade de investir pesadamente num setor intensivo de capital e se viu obrigado a privatizar a exploração dos serviços de telecomunicações. Tal exploração só se poderia dar caso aos capitalistas interessados em investir fossem dadas garantias de um “jogo justo”, protegido contra mudanças abruptas e arbitrárias. O contraponto dos interesses dos operadores de telecomunicações deveria passar a ser o interesse do usuário e não mais “as altas inspirações do progresso da Nação”, segundo a vontade do político de plantão no posto de Ministro. 

Neste contexto, foi promulgada a Emenda Constitucional n° 8, de 1995, que dispõe: 

Art. 1º O inciso XI e a alínea “a” do inciso XII do art. 21 da Constituição Federal passam a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 21. Compete à União:

…………………………………….
XI – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da Lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais;

II – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão:
a) os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens;”
Art. 2° É vedada a adoção de medida provisória para regulamentar o disposto no inciso XI do art. 21 com a redação dada por esta emenda constitucional.

A redação original dos dispositivos modificados era, respectivamente: 

redação original redação emendada
“Art. 21. Compete à União: “Art. 21. Compete à União:
inciso XI “XI – explorar, diretamente ou mediante concessão a empresas sob controle acionário estatal, os serviços telefônicos, telegráficos, de transmissão de dados e demais serviços públicos de telecomuni­cações, assegurada a prestação de serviços de informações por enti­dades de direito privado através da rede pública de telecomunicações explorada pela União;” XI – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessã:: ou permissão, osserviços de teleco­municações, nos termos da Lei, q disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais;”
inciso XII, letra “a” “XII – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão: a) os serviços de radiodifusão sonora, de sons e imagens e demais serviços de tele­comunicações;” “XII – explorar, diretamente o_ mediante autorização, concessãc ou permissão: a) os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens;”

Os serviços de telecomunicações estavam divididos, antes da emenda, em dois grupos: o primeiro abrangia os serviços telefônicos, os serviços telegráficos, os serviços de transmissão de dados e os “demais” serviços públicos de telecomunicações, além da exploração da rede pública de telecomunicações, pela União. Todos estes serviços só poderiam ser explorados diretamente pela própria timão ou por empresas submetidas a controle acionário da própria União, ou de Estados, do Distrito Federal, ou de Municípios. 

O segundo grupo era o dos “demais serviços de telecomunicações”, os quais eram passíveis de exploração privada, mediante autorização, permissão ou concessão. 

Restava, pois, à lei definir os serviços que se enquadrariam num ou noutro regime jurídico (salvo, é claro, os expressamente nominados no inciso XI como serviços públicos). Esta lei nunca foi editada, no regime da Constituição de 1988, e o Decreto n° 177, de 17 de Julho de 19915 representou a mais clara tentativa de realizar essa definição. Tal decreto6 foi objeto de uma ação direta de inconstitucionalidade, cujo mérito jamais foi julgado,7 mas cuja propositura pura e simples terminou por bloquear a aplicação de muitas de suas disposições. 

O novo texto da Constituição, após a EC n° 8/95, simplificou sobremaneira a compreensão de seu sentido, na medida em que abriu à exploração delegada todos os serviços de telecomunicações. A condição para tamanha liberação de um setor estratégico foi a de que a lei que regulasse o novo texto constitucional instituísse um órgão regulador e propiciasse a organização dos serviços (art. 2° da EC n° 8/95).8 Noutras palavras, o Poder Público deixou de ser explorador de serviços para se tornar regulador, delegador e fiscalizador dos serviços de telecomunicações. E tal incumbência não poderia ser regulamentada senão por lei. 

Neste contexto, foi editada a Lei n° 9.295/96 (conhecida como a “Lei Mínima”), a qual estabeleceu (cm pouco mais de uma dúzia de artigos) lineamentos genéricos para a outorga de licenças para exploração de alguns serviços de telecomunicações (satélites, serviços limitados, celular). Esta lei estabeleceu, também, a primeira definição legal de “serviço de valor adicionado”, como adiante se verá.

Com o intervalo de um ano, foi editada a referida Lei Geral de Telecomunicações. Esta lei, verdadeiramente geral, impôs ao Poder Público (à Anatel, portanto, juntamente com as demais pessoas de direito público competentes) alguns deveres, com destaque para o de “garantir, a toda a população, o acesso às telecomunicações, a tarifas e preços razoáveis, em condições adequadas” (art. 2°, inciso I). O Poder Público descumprirá seu dever sempre que impedir ou embaraçar as iniciativas que propiciem serviços de telecomunicações de boa qualidade, com preços razoáveis à população. 

Outro dever será o de “adotar medidas que promovam a competiçã ) e a diversidade dos serviços, incrementem sua oferta e propiciem padrões de qualidade compatíveis com a exigência dos usuários”. A lei proíbe a omissão estatal. O Estado tem de implementar medidas e estas medidas devem propiciar (i) o aumento da competição (ou seja, aumento da quantidade de prestadores ou exploradores de serviços de telecomunicações, ativos e qualificados para atender aos interessados), (ii) a diversidade dos serviços (de tal modo que, além de múltiplos prestadores, os usuários possam escolher entre diversos serviços diferentes, a seu critério), (iii) o crescimento da oferta de serviços, (iv) a disponibilidade, em favor dos usuários, de padrões de qualidade que satisfaçam aos usuários. Este dispositivo traduz sábia subordinação do legislador a uma lei não legislada que é a da Oferta e da Demanda. O Poder Público é ordenado a melhorar o acesso do usuário às telecomunicações. 

Também a criação de oportunidades de investimento e o estímulo ao desenvolvimento tecnológico e industrial, em ambiente competitivo, são deveres atribuídos ao Estado. 

Em linha com os deveres estabelecidos nos demais incisos do mesmo artigo 2°, o Estado deverá se empenhar por gerar oportunidades de investimento, ou seja, deverá dar ensejo a que oportunidades empresariais gerem aplicação de recursos que alimentem negócios potencialmente lucrativos, em círculo virtuoso. O desenvolvimento tecnológico e o desenvolvimento industrial são também deveres do Poder Público, o que fará exercendo sua competência regulamentar de modo que não obstaculize a implementação de novastecnologias ou o estabelecimento de novas indústrias. 

De tudo o mais importante é que a intervenção estatal ocorra em ambiente competitivo. O Estado não pode proteger indústrias; não pode proteger tecnologias; não pode proteger regiões ou empresas. Deve, sim, interferir menos para estimular mais, como leciona Nelson Sérgio Mannheimer. A lei rechaça a interferência que repita erros da história recente, em que a burocracia se reputa mais qualificada do que as forças da economia e mais rápida do que a evolução tecnológica. Mais do que inadequadas, tais posturas estatais são agora ilegais e este aspecto é crucial para a adequada compreensão do tema proposto.

Em linha com os deveres do Estado (e, portanto, da Anatel) estão os direitos dos usuários, com ênfase para a liberdade de escolha de sua prestadora de serviço. Para que o modelo competitivo possa funcionar, é crucial que o usuário possa escolher seu prestador; que possa conhecer as condições contratuais de cada qual dos diversos prestadores e, em função delas, eleger aquele que lhe convenha. 

Os princípios constitucionais da liberdade de iniciativa e da livre concorrência foram ratificados pela Lei Geral (art. 5°), como não poderia deixar de ser. Mas não há dispositivo qualquer (e isto é de grande importância para a interpretação da LGT) com direitos e garantias dos monopolistas ou dos atuais exploradores dos serviços (os chamados “incumbents”). 

Resulta, então, claro que o novo marco regulatório rejeita as restrições estatais que impliquem em diminuição da competição ou em restrição à amplitude do direito de os usuários escolherem dentre os diversos serviços de telecomunicações. E importante repetir sempre: trata-se de imposição de lei federal e não de reles programa de governo. 

2 O novo modelo admite restrições à prestação dos serviços 

Exceções (cuja ocorrência confirma a regra) há para o regime de ampla liberdade, em ambiente de competição, imposto pela Lei Geral. 

2.1 Competição entre concessionária e autorizatária 

A Lei Geral de Telecomunicações prevê dois regimes jurídicos de prestação dos serviços de telecomunicações, quais sejam, o público e o privado. 

O regime público corresponde àqueles serviços em relação aos quais a União tenha assumido o dever de universalização, ou seja, o de garantir acesso ao respectivo serviço de telecomunicações a toda pessoa ou instituição, independentemente de sua localização e condição socioeconômica. Neste regime, a exploração do serviço se dará mediante concessão, ou seja, sob formato e deveres que muitas vezes conílitarão com a gestão empresarial voltada ao lucro. 

O regime privado é aplicável a todos os demais serviços. 

Entretanto, a Lei Geral admitiu e o Plano Geral de Outorgas criou o Serviço Telefônico Fixo Comutado, como o único serviço explorado em regime público e privado, simultaneamente. Desta exploração dicotômica resulta a necessidade de estabelecimento de certas proteções mínimas às empresas concessionárias, em relação às respectivas autorizatárias (conhecidas no jargão do setor, como “empresas espelho”), pois aquelas têm de fazer a universalização, mesmo o que não lhes pareça lucrativo, enquanto estas não têm restrições tarifárias ou deveres de universalizar. 

Neste caso, o Estado, por meio da Agência Nacional de Telecomunicações ANATEL deve intervir para assegurar a competição, em benefício do usuário. Para tanto, determinou a Lei Geral:

Art. 66. Quando um serviço for, ao mesmo tempo, explorado nos regimes público e privado, serão adotadas medidas que impeçam a inviabilidade econômica de sua prestação no regime público.

E mais, Plano Geral de Outorgas deve ser concebido para, dentre outras finalidades, “(…) propiciar ajusta remuneração da prestadora do serviço no regime público”. 

Convém notar que a agência não deverá assegurar a lucratividade propriamente dita, mas apenas as garantias mínimas para não tornar inviável (ou seja, destinada à morte) a empresa concessionária (que explora o serviço em regime público) e para gerar “justa remuneração”. Compreender e registrar a especificidade da proteção às concessionárias, de que tratamos neste ponto, somada ao foco legislativo sobre o usuário, de que tratamos anteriormente, é fundamental para afastar e sepultar de vez certo entendimento de que o Poder Público deveria proteger os investidores que adquiriram determinados ativos ou concessões. Em realidade, os direitos e garantias dos prestadores de serviços de telecomunicações no Brasil, especialmente os que foram objeto de desestatização, são aqueles constantes da lei e dos compromissos estabelecidos com o Poder Público, mas não há garantia de viabilizar iniciativas empresariais pelo esforço e ação estatais. 

A lei protegeu ao usuário e nele estará o foco da atuação do poder concedente, bem como do intérprete da lei. 

2.2 Estímulo à competição; repressão à concentração de mercado 

Outra possibilidade de intervenção da agência será voltada à proteção contra o abuso do poder econômico e à repressão dos efeitos negativos da competição imperfeita, como mecanismo de amplificação da competição. E o que decorre do art. 71: 

Art. 71. Visando a propiciar competição efetiva e a impedir a concentração econômica no mercado, a Agência poderá estabelecer restrições, limites ou condições a empresas ou grupos empresariais quanto à obtenção e transferência de concessões, permissões e autorizações.

Decorre do artigo transcrito que certas empresas, ou grupos empresariais poderão ser proibidos de obter outorgas para prestação de serviços de telecomunicações, pelo fato de que tal outorga pudesse pôr em risco a competição efetiva e pudesse implicar em concentração de mercado. São diversas as situações em que um operador de telecomunicações possa produzir atuação anticompetitiva, como, nos dá conta a regulamentação, nos exemplos abaixo: 

1. esteve vedada a qualquer empresa, sua coligada, controlada ou controladora, deter simultaneamente autorização para prestação do Serviço Telefônico Fixo Comutado nos âmbitos (i) Local e (ii) Longa Distância Nacional e Internacional; 

2. concessionária do Serviço Telefônico Fixo Comutado, assim como sua coligada, controlada ou controladora também não poderão obter autorização para o mesmo serviço, salvo se se comprometer a transferir o seu contrato de concessão a outrem, no prazo máximo de 18 meses, contado a partir da data de expedição da autorização; 

3. as empresas espelho (as autorizatárias), assim como sua controladora, controlada ou coligada somente poderão obter novas autorizações para prestação do Serviço Telefônico Fixo Comutado a partir do cumprimento integral das obrigações de expansão e atendimento, segundo o compromissó^assumido, em decorrência de licitação, com a Anatel; 

4. concessionárias de Serviço Telefônico Fixo Comutado, bem como suas controladoras, controladas ou coligadas não poderão prestar nenhum novo serviço de telecomunicação antes de cumprir integralmente as obrigações de universalização e expansão decorrentes de seus contratos de concessão; 

5. as concessionárias do STFC, tanto quanto suas coligadas, controladas e controladoras, foram proibidas de participar da licitação para obtenção de autorizações de uso do espectro de radiofreqüências, nas faixas de 3,5 GHz e de 10,5 GHz, como consta do item 4.2.1 do Edital n° 002/2006/SPV-ANATEL. 

6. nenhuma prestadora do Serviço Móvel Pessoal (SMP) poderá deter autorização para uso de radiofreqüência em largura de faixa maior do que 50 MHz. 

Tais exemplos revelam com clareza que o poder constritor c prócompetitivo, deferido pelo art. 71 da Eei Geral de Telecomunicações à Anatel, não é para proteger investidores, “incumbents” ou empresários em especial, mas sim para impedir que grupos econômicos em posição de dominação sobre determinado mercado relevante possam reforçar sua posição de domínio e sua condição de impedir o acesso de novos competidores a este mesmo mercado. 

3 Serviços de valor adicionado 

3.1 Definição de SVA 

O conceito de serviço de valor adicionado foi criado, desde há muito, mas sua aplicação, em termos de regulação de telecomunicações data de 1991. A definição de Serviço de Valor Adicionado foi proposta pelo inciso XXXIV do art. 3° do Decreto n° 177/91 (já citado anteriormente), o qual aprovou o Regulamento dos Serviços Limitados de Telecomunicações, nos seguintes termos: 

Art. 3º. Para os fins deste Regulamento e das normas reguladoras complementares, são adotadas as seguintes definições:
(…)

XXXIV – SERVIÇO DE VALOR ADICIONADO: serviço que acrescenta a uma rede pré-existente de um serviço de telecomunicações, meios e/ou recursos que criam novas utilidades específicas, ou novas atividades produtivas, relacionadas com o acesso, armazenamento, movimentação e recuperação da informação;

Bem se vê que a definição do Decreto n° 177 não exclui (e antes inclui, aincla que parcialmente) tal serviço dentre os serviços de telecomunicações. Assim fazendo, o decreto tornava necessária, em muitos casos, a obtenção de prévia outorga para sua prestação, nos termos do Código Brasileiro de Telecomunicações e do art. 21 da Constituição Federal então vigentes. 

Por identificar uma “privatização” das telecomunicações, o Partido dos Trabalhadores propôs contra o tal decreto a Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 561-8, há pouco mencionada, a qual resultou não conhecida, em agosto de 1995, logo após a edição da Emenda Constitucional n° 8/95. 

Na esteira de tal decisão e da promulgação da emenda constitucional referida, foi editada a Lei Mínima, cujo art. 10 determinou: 

Art. 10 E assegurada a qualquer interessado na prestação de Serviço de Valor Adicionado a utilização da rede pública de telecomunicações.
Parágrafo único. Serviço de Valor Adicionado é a atividade caracterizada pelo acréscimo de recursos a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte, criando novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação e recuperação de informações, não caracterizando exploração de serviço de telecomunicações.

Trata-se de verdadeira revolução no regime jurídico dos serviços de valor adicionado, na medida em que: 

(i) foi assegurado o acesso dos respectivos provedores à rede pública de telecomunicações. Até então, tal acesso era sujeito ao arbítrio dos administradores das empresas estatais exploradoras das redes públicas de telecomunicações, o que implicava desestimulo aos investimentos e a prevalência da manipulação política do acesso às redes públicas de telecomunicações (no sentido de seu uso como moeda de troca em alianças escusas); 

(ii) tais serviços foram definidos por lei. Até então o conceito de serviços de valor adicionado era mais um conceito empresarial ou comercial do que legal; 

(iii) os serviços de valor acionado foram definidos como não caracterizadores de serviços de telecomunicações, mesmo que prestados “sobre” um serviço de telecomunicações. Sendo assim, poderíam ser prestados por agentes privados, independentemente de prévia outorga do poder concedente (CF, art. 21, XI e XII). 

O mesmo Partido dos Trabalhadores requereu nova ação direta de inconstitucionalidade (a ADIN n° 1491-9), questionando, entre outros, o supratranscrito art. 10. Pretendia a agremiação política que a exclusão dos serviços de valor adicionado do escopo do controle e fiscalização estatais implicaria “o caos no sistema de telecomunicações”. 

Em defesa do teor da lei, a União afirmou que o serviço de valor adicionado é “mera adição de valor a serviço de telecomunicações” e citou exemplos: “o acesso à Internet, a secretária eletrônica e o fac-símile”. Os argumentos da União foram aceitos, e os do PT rejeitados, ao entendimento seguinte: 

É que, se o serviço de valor adicionado nada mais é que um ‘acréscimo de recursos a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte, criando novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação e recuperação de informações’, não se identifica ele, em termos ontológicos, com o serviço de telecomunicações. E ele, na verdade, ‘mera adição dc valor a serviço de telecomunicações já existente’, certo que a disposição legislativa propicia a possibilidade de competitividade e assim a prestação de melhores serviços à coletividade.

Está bem claro que a Suprema Corte do País (a qual, por maioria, votou com o Relator, em julgamento de liminar) reputou compatível com a Constituição a definição do serviço de valor adicionado proposta pela Lei Mínima. Reputou constitucional que os provedores tenham acesso garantido à rede pública de telecomunicações; reputou constitucional que existem serviços prestados sobre a rede de telecomunicações. 

Os exemplos citados no voto do Relator (fax e correio de voz) são bastante significativos, pois que se tratam de serviços ordinariamente concebidos como parte da telefonia e agora separados dela e, mais ainda, independentes de outorga do Poder Público, por simples disposição da lei. 

Ao tempo deste julgamento, o referido art. 10 fora revogado ejá vigia o art. 61 da Lei Geral de Telecomunicações, de seguinte teor: 

Art. 61. Serviço de valor adicionado é a atividade que acrescenta, a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte e com o qual não se confunde, novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação ou recuperação de informações.
§1° Serviço de valor adicionado não constitui serviço de telecomunicações, classificando-se seu provedor como usuário do serviço de telecomunicações que lhe dá suporte, com os direitos e deveres inerentes a essa condição.
§2° E assegurado aos interessados o uso das redes de serviços de telecomunicações para prestação de serviços de valor adicionado, cabendo à Agência, para assegurar esse direito, regular os condicionamentos, assim como o relacionamento entre aqueles e as prestadoras de serviço de telecomunicações.

A definição da Lei Geral parece aproveitar e, tentativamente, aperfeiçoar a definição da Lei Mínima: 

Lei Mínima Lei Geral
Serviço de Valor Adicionado é a atividade caracterizada pelo acréscimo de recursos a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte, criando novas utilidades relacio­ nadas ao acesso, armazenamento, apresen­ tação, movimentação e recuperação de informações, não caracterizando exploração de serviço de telecomunicações. Serviço de Valor Adicionado é a atividade que acrescenta, a um serviço de telecomu­ nicações que lhe dá suporte e com o qual não se confunde, novas utilidades relacio­ nadas ao acesso, armazenamento, apresen­ tação, movimentação ou recuperação de informações.

A principal diferença é a inserção da locução “com o qual não se confunde”, a qual será crucial para compreensão da matéria, como se verá adiante. 

De todo modo, resulta prevalecer, no Brasil, hoje, a definição de serviço de valor adicionado constante do parágrafo único do art. 63 da LGT, ou seja: serviço que agrega a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte utilidades diferentes das do próprio serviço de telecomunicação, que podem consistir em acesso a informações, armazenamento de informações, apresentação de informações, movimentação de informações ou na recuperação de informações. 

Importante lembrar que ao usuário deve ser perfeitamente possível diferenciar o serviço de telecomunicações (suporte) e o serviço de valor adicionado (suportado). Esse o importante acréscimo da Lei Geral de Telecomunicações em relação à Lei Mínima. 

3.2 SVA não são serviços de telecomunicações 

Posto o conceito de Serviço de Valor Adicionado, resulta importante registrar, sem maior discussão, como princípio legal e inquestionável, que o mesmo não se constitui em serviço de telecomunicação. Portanto, pode ser prestado sem outorga da Anatel. 

Esta conclusão produzirá polêmica permanente, relacionada com a distinção de quais sejam os serviços de telecomunicações explorados por simples convergência tecnológica, daqueles em que há efetiva agregação de valor, inconfundível com o serviço que os suporte. A polêmica se instala na medida em que muitas das utilidades que podem ser adicionadas a um serviço de telecomunicações terminam por se constituir noutros serviços de telecomunicações conhecidos: telefonia na Internet, pager nos celulares e trunkings, telefonia na TV a Cabo; IV a Cabo na telefonia. Nestes casos, o simples fato de se tratar de serviço diferente do serviço suporte caracterizará o serviço de valor adicionado? A resposta é não. Além de se diferenciar, o serviço precisará contar com agregação efetiva de valor e uma tal agregação não se pode resumir à operação de um outro (novo) serviço de telecomunicações. 

4 Serviços de voz podem ser prestados sob diversas estruturas regulatórias 

Verificou-se, até aqui, que: (i) o modelo imposto por lei federal, para prestação de serviços de telecomunicações no Brasil é competitivo e sem proteções a mercados ou empresas e (ii) os serviços de valor adicionados não são serviços de telecomunicações e podem ser prestados sem outorga específica do Poder Público. 

Todavia, para compreensão do regime jurídico das comunicações de voz, baseadas em protocolo IP (voice overlP, ou VOIP), é preciso ainda conhecer alguns dos regimes jurídicos dos serviços de telecomunicações de voz. 

4.1 Serviço Telefônico Fixo Comutado 

O Plano Geral de Outorgas definiu o Serviço Telefônico Fixo Comutado como sendo o “serviço de telecomunicações que, por meio da transmissão de voz e de outros sinais, destina-se à comunicação entre pontos fixos determinados, utilizando processos de telefonia”. 

Bem se vê que o serviço telefônico, tipicamente uma aplicação de voz, convive com conceito de que seu usuário poderá cursar “outros sinais” que não a voz humana. Na contestação à ação cautelar inominada requerida pela Brasil Telecom S/A, contra a ANATEL – Agência Nacional de Telecomunicações e Global Village Telecom – GVT (cujo objetivo era obter provimento judicial para suspender a eficácia de decisão da ANATEL, que negou à autora pedido para não pagar à GVT a remuneração de rede pelo acesso exclusivo de Internet, que esta lhe está cobrando, como sendo parte integrante da remuneração de rede pela transmissão de voz), a ANATEL afirmou que uma interconexão Classe I não se desvirtua pelo fato de o tráfego cursado ser de  dados e não de voz: 

(…) O Serviço Telefônico Fixo Comutado, conforme definição do Regulamento do STFC, aprovado pela Resolução n° 85/98, em seu artigo 3o, é o “serviço de telecomunicações que, por meio de transmissão de voz e outros sinais, destina-se à comunicação entre pontos fixos determinados, utilizando processos de telefonia”. De acordo com a supra-citada definição, o que caracteriza a prestação de STFC não é o fato de seu conteúdo ser “voz”, mas também a possibilidade de carregar outros sinais utilizando os meios de transmissão típicos de processo de telefonia. Ora, uma vez instalada uma linha telefônica no endereço do usuário, é impossível a qualquer prestadora de serviços de telefonia impedir que o usuário utilize sua linha para transmissão e/ou recebimento de outros sinais que não exclusivamente voz. Ao utilizar sua linha para transmitir outros sinais, o usuário não estará, evidentemente, descaracterizando o meio que contratou, ou seja, o STFC. Em outras palavras, o “conteúdo” veiculado pelo usuário em determinada linha telefônica não tem, por si só, o condão de alterar a natureza do serviço prestado, descaracterizando a prestação do STFC. Sendo assim, ainda que se entenda que as chamadas cursadas pelos usuários para provedores de acesso à Internet não constituem transmissão de sinais de voz propriamente ditos, mas sim de outros sinais, referida distinção não descaracteriza a prestação do STFC e, bem assim, não desincumbe as prestadoras do pagamento da interconexão envolvida no tráfego destas chamadas.

Portanto, o STFC, a típica aplicação de voz fixa, não é regulatoriamente definido como comunicação de voz apenas: pode ser a comunicação de outros sinais. Mas é substancialmente empregado por seus usuários como serviço de voz.

4.2 Serviço Móvel Pessoal

O Serviço Móvel Pessoal é o serviço de telecomunicações móvel, terrestre, de interesse coletivo, que possibilita a comunicação entre estações móveis e de estações móveis para outras estações, sucedâneo do Serviço Móvel Celular (que fora criado pela Lei Mínima).

Nenhuma definição regulatória estabelece que o serviço pessoal é comunicação de voz, ou telefonia. Trata-se de serviço de comunicação genericamente, que pode ser empregado para tráfego de dados ou de voz ou outros. Mas, tanto quanto o STFC, o SMP é essencialmente usado para comunicações de voz.

4.3 Serviços limitados

A Lei n° 9.295/96 (Lei Mínima) definiu os serviços limitados como sendo “o serviço de telecomunicações destinado ao uso próprio do executante ou à prestação a terceiros, desde que sejam estes uma mesma pessoa, ou grupo de pessoas naturais ou jurídicas, caracterizado pela realização de atividade específica”.

O Regulamento de Serviço Limitado (mantido pelo Decreto n° 3.896/01) definiu serviços limitados como sendo “serviço de telecomunicações destinado ao uso próprio do executante ou à prestação a terceiros, desde que sejam estes uma mesma pessoa, ou grupo de pessoas naturais ou jurídicas, caracterizado pela realização de atividade específica”. 

A Norma Geral de Telecomunicações n° 13/97 regulou, em detalhe, os Serviços Limitados, de maneira que todas as suas modalidades são compatíveis com aplicações de voz, mesmo que não de forma preponderante.

4.4 Serviço avançado de radiochamada

Outra possibilidade de tráfego de voz sem caracterizar telefonia é o Serviço Avançado de Mensagens, regulado pela Norma n° 11/97, aprovada pela Portaria n° 559, de 3 de novembro de 1997, assim definido:

a) Serviço Avançado de Mensagens: serviço especial de telecomunicações utilizado para múltiplas aplicações móveis bidirecionais, podendo transmitir dados, voz, ou qualquer outra forma de telecomunicação, utilizando-se das faixas de freqüências de 901 -902 MHz, 930-931 MHz e 940-941 MHz.

Tal serviço pode, inclusive, ser prestado mediante interconexão com a rede pública de telefonia, e ainda o tráfego entre a rede pública de telecomunicações e rede do SAM pode ser encaminhado por qualquer ponto de interconexão entre as mesmas, independentemente dos pontos de origem e destino da comunicação. Não se trata de serviço de voz, mas pode viabilizar comunicação de voz.

4.5 SRTT

Serviço de Rede de Transporte de Telecomunicações é o serviço destinado a transportar sinais de voz, telegráficos, dados ou qualquer outra forma de sinais de telecomunicações entre pontos fixos.

Incluem-se no seu escopo serviços tais como o Especial de Repetição de Sinais de TV e Vídeo, Especial de Repetição de Sinais de Áudio, Serviço por Linha Dedicada – SLD, Serviço por Linha Dedicada para Sinais Analógicos – SEDA, Serviço por Linha Dedicada para Sinais Digitais – SLDD, Serviço de Rede Comutada por Pacote, Serviço de Rede Comutada por Circuito.

Também este serviço é prestado em regime privado, com clara admissibilidade do transporte de voz e, mais importante, mediante interconexões que podem extrapolar as áreas demarcadas das concessionárias de Serviço Telefônico Fixo Comutado.

4.6 SCM

O mais atual dos serviços regulados pela Anatel, o Serviço de Comunicação Multimídia é regulado pela Resolução n° 272/01 e pelo Termo de Autorização padrão, aprovado pela Resolução n° 328/03.

Sua definição é ampla justamente para contemplar, sob seu manto, a prestação de quaisquer serviços de telecomunicações. O SCM, ao fim e ao cabo, se define pelo que não é, ou seja, pelas utilidades que ele é proibido de prestar, quais sejam, o Serviço Telefônico Fixo Comutado, destinado ao uso do público em geral, além dos serviços de comunicação eletrônica de massa, tais como o Serviço de Radiodifusão, o Serviço de TV a Cabo, o Serviço de Distribuição de Sinais Multiponto Multicanal (MMDS) e o Serviço de Distribuição de Sinais de Televisão e de Audio por Assinatura via Satélite (DTH).

Tirante tais atividades, que caracterizam esses serviços específicos, o SCM dá guarida a qualquer outro serviço de telecomunicação, inclusive, é evidente, serviços de comunicação de voz, com uso de processos de telefonia.

4.7 Diversidade prática e regulamentar

Verificados os serviços acima, regulados pela Anatel, nos termos da Lei Geral de Telecomunicações, os quais foram enumerados em caráter exemplificativo, a conclusão clara que se extrai é a de que não é qualquer serviço de voz que se constitui em telefonia. Tampouco o serviço de telefonia é apenas um serviço de voz. Pode-se prestar serviço de voz sem uma autorização ou concessão para prestação do STFC.

Esta constatação preliminar é fundamental para afastar a impressão de que qualquer serviço de voz, mesmo sobre o Internet Protocol (“IP”), mesmo que interligado à rede pública de telefonia, seja ele também um serviço telefônico. O serviço telefônico é o assim definido na regulamentação. Qualquer outro serviço de voz, com características especiais ou inconfundíveis com as do Serviço Telefônico Fixo Comutado não poderá ser sujeito às regras deste mesmo STFC.

Esta conclusão, que se procurou demonstrar por comparação entre diversos serviços de telecomunicações, será ainda mais verdadeira quando se tratar de serviço de valor adicionado. É que, neste último caso, a inconfundibilidade será dada por definição: o serviço que agrega valor não é telecomunicação e, por isso mesmo, jamais poderá ser telefonia.

E o teste conducente à qualificação jurídica do serviço de voz será feito a partir das características de cada serviço ofertado. Poder-se-á qualificar uma oferta de serviço de voz desde uma prestação de STFC até a pura e simples licença de software.

5 Voz sobre IP

Não há, no Brasil, legislação específica acerca dos serviços de voz sobre IP. E natural que seja assim, 11a medida em que a Internet e seu protocolo são mundialmente regidos pelo princípio da não regulação estatal. Disso decorre seu sucesso e importância.

É de grande utilidade conhecer o direito comparado em matéria de voz sobre IP.

5.1 Nos EUA

A principal referência mundial em termos de regulação de mercados de telecomunicações competitivos são os Estados Unidos, cuja agência regulatória é a primogênita entre suas colegas mundiais.

O Federal Communications Comission (o FCC) estabeleceu debate público, voltado à identificação da possibilidade e da conveniência de que a telefonia por Internet fosse regulada. O debate foi aberto por requerimento da America’s Carriers Telecommunication Association – ACTA, associação das empresas de telefonia de longa distância. O que a agência americana constatou foi a inaplicabilidade das regras existentes, sobre telefonia, à comunicação de voz, por meio do IP. Quanto à regulação desta nova tecnologia, preferiu o FCC abster-se de interferir e ainda respeitar o caráter anárquico (no sentido de ordenação caótica) da Internet. A comunicação de voz, via IP, está aceita e admitida, mas sob certas condições que estabeleçam diferença clara em relação aos serviços ordinários de telefonia. Em seu minucioso relatório OPP Working Paper n° 29, Digital Tornado: The Internet and Telecommunications Policy, o FCC constata as limitações tecnológicas ao poder de regulamentar, afirmando:

Porque não está vinculada aos ambientes regulatórios tradicionais, a Internet tem o potencial de modificar dramaticamente o cenário das telecomunicações. A Internet cria novas formas de competição, valiosos serviços para os usuários finais e benefícios para a economia. A abordagem governamental quanto à Internet deveria, portanto, partir de duas premissas: evitar regulação desnecessária e questionar a aplicabilidade das regras tradicionais.

Dentre as diferenças estabelecidas pelo FCC estão: (i) qualidade da comunicação inferior à da telefonia comutada; (ii) faturamento por outra base que não o tempo de utilização; (iii) envolver pelo menos um usuário de computador; (iv) utilizar transmissão mediante compressão digital.

Adicionalmente, o escritório de consultoria jurídica especializada Blumenfeld & Cohen – Technology Law Group propõe as seguintes distinções:

The differences between the Internet and the PSTN are more than a clash of culturcs. Each historically uses radically diffcrent technologies, architectures and pricing mechanisms. (You may also want to review a schematic drawing of the Internet architecture.) 

PSTN.                                                          Internet

Circuit-switched.                                        Packet-switched

Physical connection.                                   Connectionless

Static switching.                                         Dynamic routing

Geographic numbering.                            Non-geographic addressing

Centralized                                                   Decentralized intelligence

Transport=applications                            Transport not= applications

Scale economies.                                          Low-scale entry

Settlements.                                                 Peering agreements

Usage-based pricing.                                 Flat-rate pricing

Regulated -> competitive.                        Competitive -> ????

 

Os elementos acima propostos identificam as diferenças e devem ser aproveitados, não só para compreensão da diferença, mas também para definição do perfil de um novo provedor de serviços de valor adicionado de voz, via Internet.

Mais recentemente, o mesmo FCC decidiu o rumoroso caso “Pulver”. O serviço oferecido por esta empresa permitia que usuários de acesso à Internet em banda larga pudessem fazer chamadas de voz entre si, diretamente e sem custo. Em 2003, a própria Pulver pediu à FCC que reconhecesse que o seu serviço nem se constituía em “serviço de telecomunicação”, nem em “telecomunicação” (e, portanto, não sujeito à regulação tradicional da telefonia). Em fevereiro de 2004, o FCC aprovou o entendimento da Pulver e ainda afirmou que pulver, tanto quanto outros aplicativos na Internet como ele, promete significativos benefícios na forma de preços menores e maiores funcionalidades, além de encorajar os consumidores a se conectarem em banda larga.

Logo a seguir, em novembro de 2004, a comissão reguladora americana julgou outro caso importante, da prestadora de serviços VOIP, chamada Vonage. Usuários do serviço Digital Voice podem usar seus terminais a partir de uma conexão de banda larga, em qualquer lugar do mundo, o que torna difícil saber se chamada é local, interestadual ou internacional, razão pela qual a comissão decidiu que o serviço não era sujeito à regulação ordinária dos serviços de telefonia.

Fica evidente que, nos Estados Unidos, há uma ação enfática para disseminar e proteger as ofertas de VOIP, para que estas concorram com as ofertas pré-existentes de serviços de voz (telefonia).

5.2 Na Europa

Na Europa, a Comissão da Comunidade Européia tem competência legal para impor parâmetros sobre todos os países da Comunidade. No continente europeu, apesar da existência de importantes operadoras estatais, terminou resolvida a questão em favor da liberalização da comunicação de voz via IP.

A Diretiva 90/388/EEC determina que a Internet não está submetida aos regulamentos relativos à telefonia, e a comissão só cogitaria de uma regulamentação específica se e quando a comunicação de voz pela Internet e a telefonia comutada se tornassem idênticas.

Segundo o regulador europeu, a telefonia por Internet seria telefonia comum se (i) sujeita à oferta comercial, (ii) o serviço for oferecido ao público, (iii) o serviço for provido de e para terminais conectados à rede pública de telefonia (iv) envolver conversa em tempo real.

Em 2005, o European Regulators Group – ERG expediu uma declaração conjunta sobre VOIP, pela qual reconheceu que VOIP é potencialmente benéfica para o mercado e para os usuários, que há na Europa uma moldura regulatória da prestação e uso do VOIP e que a regulação deve ser focada nos usuários. Os reguladores europeus devem monitorar e facilitar o desenvolvimento do mercado de VOIP.

6 Conclusão 

Procuramos descrever (i) o modelo legal brasileiro de regulação de telecomunicações, baseado na competição ampla; (ii) o conceito jurídico regulatório de serviço de valor adicionado; (iii) as características regulatórias dos principais serviços de voz; (iv) a abordagem regulatória adotada pela Federal Gommunication Comission – FCC e pela Comunidade Européia.

Feita essa contextualização, é possível refletir e propor enquadramento regulatórios para cada qual das principais formas de VOIP conhecidas, como se segue.

6.1 Comunicação de PC a PC

É possível a omunicação de voz entre dois computadores ligados à Internet. Para tanto, os computadores devem possuir equipamentos de audição e fala, além cie software que capte as emissões das pessoas envolvidas, transforme-as em pacotes IP, tanto na emissão, quanto na recepção. A oferta desses softwares, gratuita nos dias atuais, não se constitui em oferta de telecomunicação, nem a realização das chamadas de voz de um computador a outro (chamadas, no jargão, de PC a PC) se constitui em atividade de telecomunicação.

Assim é porque a emissão dos sinais, tanto quanto sua recepção, nem é ofertada, nem é desempenhada pelas operadoras de telecomunicações envolvidas (e que vendem a comunicação de dados que interliga os dois computadores), lais atividades são realizadas pelos próprios terminais (os computadores), o que exclui sua caracterização como serviço de telecomunicação.

6.2 PC to Phone

Segunda possibilidade é a chamada entre um computador e um telefone. Neste caso, numa ponta há a prestação do serviço de telecomunicação (ao titular do telefone), mas na outra ponta (a do computador) não há telecomunicação. A conexão entre ambos só se pode dar por oferta de serviço de telecomunicação. Assim é porque a interligação do PC com o telefone requer a oferta estruturada de atividades que possibilitam a oferta da emissão (ou recepção) e a transmissão, por processo eletromagnético no protocolo IP, dos pacotes de dados que se constituem na comunicação de voz entre os envolvidos.

6.3 VOIP aberta entre telefones

Embora regulatoriamente não sejam claras as características do STFC, como visto acima, é certo que se trata do serviço universal, preponderantemente de voz, cuja rede é interconectada a todas as demais, segundo o antigo conceito da rede aberta à correspondência pública, para comunicações full duplex, ofertadas e bilhetadas preponderantemente por minuto de uso.

Uma oferta de serviço que envolva a possibilidade de originar, tanto quanto de receber chamadas de voz, com qualquer terminal de outras redes de telecomunicações (STFC, SMP, SCM ou outras), para comunicações full duplex, será considerada STFC, quer use o protocolo IP ou não. Noutras palavras, VOIP com essas características é o Serviço Telefônico Fixo Comutado.

Requer autorização prévia da Anatel, nos termos da Resolução n° 283/0167 e demais regulamentos aplicáveis.

6.4 PGMQ do STFC por VOIP

Problema interessante é a aplicação do Plano Geral de Metas de Qualidade para o Serviço Telefônico Fixo Comutado – PGMQ às ofertas de STFC no protocolo IP, em que o acesso à Internet se faz por serviço de comunicação de dados em banda larga. A enorme maioria das obrigações ali previstas parece compatível com a VOIP, mas algumas não serão simples de atender.

A obrigação de garantir a qualidade do sinal, fazendo com que o usuário receba sinais audíveis, identificáveis e nacionalmente padronizados (art. 4), pode ser atrapalhada ou inviabilizada pelo atraso (em milisegundos) e pela comunicação quase (mas não verdadeiramente) full duplex viabilizada pela tecnologia IP. Como a voz dos envolvidos fica metalizada, com um pequeno atraso na recepção dos sinais, o parâmetro do PGMQ seria descumprido.

De igual modo, a obrigação de garantir o sinal de discar em até 3 segundos, em 98% dos casos, nos períodos de maior movimento (art. 5) pode ser inviável, já que a alimentação de energia dos equipamentos de banda larga é feita pelas concessionárias de distribuição de energia e não obedece a esse critério de não interrupção: quando faltar energia, o PGMQ estará violado, salvo se o contrato de prestação de serviço com o assinante previr tal hipótese.

Por fim, a baixa taxa de queda de ligações (art. 8) será desrespeitada nas conexões IP de baixa qualidade.

6.5 SCM para prestar VOIP?

Serviço com estas características poderia ser prestado por autorizatária de Serviço de Comunicação Multimídia? Não, é a resposta. Ela decorre do
art. 66 do Regulamento do Serviço de Comunicação Multimídia, aprovado pela Resolução n° 272/01, que proíbe tal oferta, tanto quanto do item 12.2, III, do modelo de Termo de Autorização para Exploração do Serviço de Comunicação Multimídia, aprovado pela Resolução n° 328/03.

Mas, afinal, em quê o STFC e o SCM seriam distintos, nas ofertas de aplicações de voz? Caberia à Anatel a resposta, no exercício de sua competência para interpretar a legislação de telecomunicações (Lei Geral de Telecomunicações, art. 19, XVI), mas a súmula expedida sobre o SCM nada diz sobre o tema. Propomos alguns elementos de fato, distintivos entre STFC e SCM, como sejam (i) comunicação halfduplex, (ii) comunicação em redes fechadas (Virtual Private Networks’), (iii) comunicação dedicada a uma só modalidade de serviço diferente do STFC (terminais móveis, digamos), (iv) comunicação em canais fechados de voz.

Muitos intérpretes dos dispositivos normativos aplicáveis ao SCM negligenciam os dispositivos suprarreferidos e cometem o erro de fixar-se na restrição ao desempenho de função trânsito: “(…) o encaminhamento de tráfego telefônico por meio da rede de SCM simultaneamente originado e terminado nas redes do STFC”. O erro se acentua pela ênfase destes intérpretes na parte final do inciso 3 do item 12.2 do modelo de Termo de Autorização para Exploração do Serviço de Comunicação Multimídia: “(…) o encaminhamento de tráfego telefônico por meio da rede de SCM simultaneamente originado e terminado nas redes do STFC” é tratado como infração grave. Mas a norma é clara para afirmar que SCM deve ser diferente de-STFC, embora padeça do defeito grave de não esclarecer quais as diferenças esperadas ou aceitáveis.

6.6 VOIP entre terminais específicos

É possível prestar serviço de voz sob autorização do SCM? Sim, é a resposta. É claramente possível a prestação de serviços de voz, com características de telefonia, sob o manto de uma autorização de Serviço de Comunicação Multimídia. O cuidado deve estar com o elemento distintivo com o STFC, como antes demonstrado.

A oferta de SCM para aplicações de voz deve ser diferente do STFC:

Art. 66. Na prestação do SCM não é permitida a oferta de serviço com as características do Serviço Telefônico Fixo Comutado destinado ao uso do público em geral (STFC), em especial o encaminhamento de tráfego telefônico por meio da rede de SCM simultaneamente originado e terminado nas redes do STFC. (grifo nosso)

Cabe ao empresário de telecomunicações conceber ofertas de serviços de voz que sejam substancialmente distintas do STFC, sujeito à interpretação da agência reguladora (Lei Geral de Telecomunicações, art. 19, XVI).

6.7 VOIP num pacote de funcionalidades

A sofisticação da tecnologia tem produzido ofertas em pacote (bundle, no jargão em inglês, usado também no Brasil), nas quais a funcionalidade “comunicação de voz” é um pedaço menos importante, dentro do conjunto de funcionalidades. Exemplificamos com um serviço que envolvesse:

1. prioridade de chamadas: usuário estabelece prioridades entre os diversos números chamados ou chamadores, de modo que o terminal
repete as tentativas de conexão ou prioriza chamadas entrantes, segundo a hierarquia definida pelo usuário;

2. conversação simultânea (conference callf,

3. reconhecimento de voz: sistema identifica voz do usuário para realizar chamadas e liberar acesso a serviços/facilidades específicos;

4. vídeo conferência;

5. serviço de fax: armazenamento, transmissão e recepção de fax, com possibilidades de escolha de horário (por melhor tarifa, conveniência
do recebedor ou outro), de formato, de qualidade ou outras características;

6. monitoração da qualidade da chamada pelo usuário (aumenta ou diminui a qualidade, chamada a chamada, conforme o tipo de comunicação
desejada), com oscilação correspondente da tarifa; Trata-se de funcionalidade importante, em matéria de VOIP, porque as redes congestionadas
deterioram ao ponto da inviabilidade de comunicações de VOIP.

7. possibilidade de geração, envio e recebimento de mensagens de dados associadas ou não ao serviço de voz;

8. correio de voz, com possibilidades de armazenamento e movimentação das mensagens: o envio da mensagem para outro ou outros terminais
escolhidos pelo usuário ou para endereços de e-mail; gravação de mensagens específicas para chamadas recebidas de terminais específicos.

9. aviso de chamadas entrantes, conectado a e-mail ou telefone fixo (inclusive com a facilidade foliou me);

10. auxílio on-line, em múltiplos idiomas;

11. conjunto especial de tons (ou mensagens de voz), para identificar as diversas etapas da comunicação (sinal de linha disponível; linha ocupada; rede ocupada; terminal destinatário ocupado etc.);

12. acesso via computador ou outro tipo de terminal;

13. disponibilidade de acesso à Internet;

14. localização do destinatário (se o terminal discado estiver ocupado/não responde, o sistema repete as tentativas noutros terminais préprogramados);

15. outras funcionalidades.

Em qualquer dos casos antes mencionados (comunicação de PC a PC, PC tophone, VOIP aberta entre telefones, ou VOIP entre terminais específicos), a oferta associada destas funcionalidades, ou mesmo a oferta isolada de um sofisticado pacote: de funcionalidades, em que o serviço de voz não tenha relevância técnica, nem comercial, nem econômica, a avaliação regulatória precisará ser revista, jâxque a relevância da atividade regulada, no conjunto das atividades oferecidas, poderá determinar o reenquadramento regulatório dos serviços, ou mesmo a exclusão dos mesmos do escopo de atividades reguladas pela Anatel.

6.8 VOIP e tributos

A prestação de serviços de VOIP deve ser estudada com profundidade, também por conta dos efeitos tributários de seu correto enquadramento.

Quando VOIP se constituir em telecomunicação, serão exigíveis sobre o preço cobrado pelo serviço o ICMS – Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte, Interestadual e Intermunicipal, e de Comunicação, o PIS – Programa de
Integração Social e a COFINS – Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social, ambas em forma cumulativa, mais o FUST – Fundo de Universalização das Telecomunicações e o FUNTTEL – Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações (além do FISTEL – Fundo de Fiscalização das Telecomunicações, anual, sobre as estações respectivas). Não haverá incidência do ISS – Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza.

Já no caso de VOIP que não se constitua em telecomunicação, serão devidas as contribuições ao PIS e à COFINS, ambas em forma não cumulativa e, talvez, (sujeito à polêmica da exaustividadc ou não da Lista de Serviços da Lei Complementar n° 116/03) o ISS. Não serão devidos o ICMS, nem as contribuições ao FUST ou FUNTTEL, nem a taxa do FISTEL.

6.9 VOIP criminosa

Os serviços de voz sobre IP, enquanto comunicação de voz comercializada como tal, são regulados e sujeitos à autorização prévia da Anatel. Sua prestação pode caracterizar o crime previsto no art. 183 da LGT, com as conseqüências do art. 184 (dever de indenizar e perdimento dos equipamentos empregados na atividade, que é reputada clandestina), quando feita sem autorização da Anatel.

6.10 VOIP ilícita

Os serviços de voz sobre IP, enquanto comunicação de voz aberta e acessível entre terminais de quaisquer outras redes, caracterizam-se como Serviço Telefônico Fixo Comutado, e sua prestação sem autorização de STFC, expedida pela Anatel (mas com autorização de outro serviço de telecomunicação, que não o STFC), pode se constituir em infração administrativa. Casos há em que tal infração foi investigada e punida pela agência, com lacração de equipamentos e com aplicação de multas pecuniárias de R$18.000,00 (dezoito mil reais).

Em qualquer caso, a agência reguladora não poderá se furtar a sua competência de intérprete administrativa da legislação de telecomunicações e, portanto, de grande orientadora e fomentadora dos novos investimentos dos interessados na prestação de serviços de telecomunicações. Cabe à Anatel disseminar, com muito maior vigor e formalidade do que tem sido feito nos seus primeiros nove anos de existência, sua interpretação sobre os diversos aspectos da VOIP, de maneira a estimular concorrência no mercado. O silêncio do regulador aumenta o risco do investimento (já que o prestador de serviços não sabe os limites de sua ação, nem os limites das ações de seus concorrentes) e diminui a credibilidade do próprio regulador (cuja opinião ignorada fomenta as especulações).

Um passo importante seria a edição de documento formal (súmula seria o mais adequado), por meio do qual explicitaria (i) quais as formas de VOIP que não se constituem em serviço de telecomunicação, (ii) quais as formas de VOIP que se constituem em STFC e, por fim, quais as formas de VOIP que se enquadrariam nos demais serviços de telecomunicações (SCM, SMP etc.). O pronunciamento oficial da agência reguladora seria um estímulo aos operadores com interesses sérios no setor e um sinal grave para os que explorem as fragilidades do Poder Público no Brasil.

 

***CENEVIVA, Walter Vieira. Regime regulatório das comunicações de voz no protocolo IP (VOIP). Revista de Direito de Informática e Telecomunicações – RDIT, Belo Horizonte, v. 1, n. 1, p. 181-211, jul./dez. 2006.

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capa Revista de Direito de Informática e Telecomunicações, v. 1Walter Vieira Ceneviva

Advogado. Diretor da ABDI. Professor do curso de pós-graduação em Direito das Telecomunicações do Instituto de Pesquisas Jurídicas – IPEJUR, da Universidade da Cidade do Rio de Janeiro – UniverCidade, nas turmas de São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília e coordenador do mesmo em São Paulo. Sócio de Vieira Ceneviva Advogados Associados

*Artigo originalmente publicado na obra “Revista de Direito de Informática e Telecomunicações – Vol. I.

O impacto das novas tecnologias sobre o direito posto é enorme, destrutivo: conceitos outrora claros e dominados se tornam equívocos, incorretos, ou mesmo inconàpatíveis com a realidade. A tecnologia que permite comunicações de voz no protocolo IP (Internet Protocol) é um exemplo disto e seu efeito sobre a regulação das telecomunicações é importante. Tal aplicação é descrita pela Federal Communications Comission, a agência reguladora norteamericana, da seguinte maneira: 

Como VoIP / Voz pela Internet Funciona
A VoIP converte os sinais de voz de seu telefone num sinal digital que trafega pela Internet. Se você chamar um telefone normal, então o sinal é convertido novamente, na outra ponta. VoIP permite que você faça uma chamada diretamente de seu computador, de um telefone VoIP especial, ou de um telefone tradicional usando um adaptador. Além disso, novos “hot spots” sem fio, em áreas públicas, tais como aeroportos, parques e cafés, permitem que você se conecte à internet e muitos viabilizam o uso VoIP sem fio. Se você fizer a chamada, usando um telefone com adaptador, será possível realizar chamadas como sempre aconteceu e o prestador de serviço pode até dar o tom de discagem. Se o seu prestador de lhe atribuir um número de telefone normal, então uma pessoa poderá chamar de seu próprio telefone normal sem ter de usar um equipamento especial.

Nesse artigo, pretendemos pontuar o regime regulatório dos serviços de telecomunicações, o conceito de serviços de valor adicionado, as diversas formas regulatórias de prestação de serviços de voz, para concluir com uma abordagem dos serviços de voz, na tecnologia IP, à luz da legislação brasileira do setor. 

Por primeiro verificamos se, e como, o Poder Público, notadamente a Anatel, pode impor restrições à prestação de serviços de telecomunicações. Constatada a possibilidade de imposição de restrições, mas sempre focada nos princípios e comandos impostos à Anatel pela Lei Geral de Telecomunicações, o segundo passo é compreender o que sejam os serviços de valor adicionado. Terceira etapa é conhecer, ainda que superficialmente, o regime regulatório dos serviços de voz no Brasil. O direito comparado é a quarta etapa do estudo a que nos propomos para conduzir às conclusões a que chegamos, referenciadas a hipóteses concretas de serviços de voz. 

1. O novo modelo brasileiro das telecomunicações 

Até a edição da Lei n° 9.472/97 (a “Lei Geral de Telecomunicações”), as telecomunicações brasileiras erain regidas pelo vetusto Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei n° 4.117/62) e por seus regulamentos, um emaranhado de normas de interpretação confusa, multifária,3 cuja aplicação adequada sempre foi relegada para segundo plano, em função do modelo estatal centralizador que comandou o País durante a maior parte de sua vigência. 

Sob o “Código”, a outorga dos serviços de telecomunicações era centralizada no Ministério das Comunicações e os critérios de outorga eram subjetivos. O-Poder Público possuía poderes majestáticos, imperiais, os quais exercia sem preocupação de coerência, legalidade, conveniência, oportunidade. O exercício arbitrário de tais prerrogativas era robustecido pelo temor (ou terror) dos operadores de telecomunicações de buscar amparo judicial para proteção de seus direitos: caríssimos são os casos (mas geralmente bemsucedidos, ressalte-se) em que um licenciado questionou uma decisão do Ministério das Comunicações, mesmo nos (tantos!) casos em que a ilegalidade era manifesta. 

Nem mesmo o advento da Constituição de 1988 modificou este hiato, apesar da ostensiva inconstitucionalidade (ou não recepção) de muitas das disposições do Código Brasileiro de Telecomunicações e das posturas do Ministério das Comunicações com a Lei Maior. 

Esta situação jurídica evoluiu, por determinação do ambiente econômico nacional e mundial: o Estado esgotou a capacidade de investir pesadamente num setor intensivo de capital e se viu obrigado a privatizar a exploração dos serviços de telecomunicações. Tal exploração só se poderia dar caso aos capitalistas interessados em investir fossem dadas garantias de um “jogo justo”, protegido contra mudanças abruptas e arbitrárias. O contraponto dos interesses dos operadores de telecomunicações deveria passar a ser o interesse do usuário e não mais “as altas inspirações do progresso da Nação”, segundo a vontade do político de plantão no posto de Ministro. 

Neste contexto, foi promulgada a Emenda Constitucional n° 8, de 1995, que dispõe: 

Art. 1º O inciso XI e a alínea “a” do inciso XII do art. 21 da Constituição Federal passam a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 21. Compete à União:

…………………………………….
XI – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da Lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais;

II – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão:
a) os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens;”
Art. 2° É vedada a adoção de medida provisória para regulamentar o disposto no inciso XI do art. 21 com a redação dada por esta emenda constitucional.

A redação original dos dispositivos modificados era, respectivamente: 

redação original redação emendada
“Art. 21. Compete à União: “Art. 21. Compete à União:
inciso XI “XI – explorar, diretamente ou mediante concessão a empresas sob controle acionário estatal, os serviços telefônicos, telegráficos, de transmissão de dados e demais serviços públicos de telecomuni­cações, assegurada a prestação de serviços de informações por enti­dades de direito privado através da rede pública de telecomunicações explorada pela União;” XI – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessã:: ou permissão, osserviços de teleco­municações, nos termos da Lei, q disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais;”
inciso XII, letra “a” “XII – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão: a) os serviços de radiodifusão sonora, de sons e imagens e demais serviços de tele­comunicações;” “XII – explorar, diretamente o_ mediante autorização, concessãc ou permissão: a) os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens;”

Os serviços de telecomunicações estavam divididos, antes da emenda, em dois grupos: o primeiro abrangia os serviços telefônicos, os serviços telegráficos, os serviços de transmissão de dados e os “demais” serviços públicos de telecomunicações, além da exploração da rede pública de telecomunicações, pela União. Todos estes serviços só poderiam ser explorados diretamente pela própria timão ou por empresas submetidas a controle acionário da própria União, ou de Estados, do Distrito Federal, ou de Municípios. 

O segundo grupo era o dos “demais serviços de telecomunicações”, os quais eram passíveis de exploração privada, mediante autorização, permissão ou concessão. 

Restava, pois, à lei definir os serviços que se enquadrariam num ou noutro regime jurídico (salvo, é claro, os expressamente nominados no inciso XI como serviços públicos). Esta lei nunca foi editada, no regime da Constituição de 1988, e o Decreto n° 177, de 17 de Julho de 19915 representou a mais clara tentativa de realizar essa definição. Tal decreto6 foi objeto de uma ação direta de inconstitucionalidade, cujo mérito jamais foi julgado,7 mas cuja propositura pura e simples terminou por bloquear a aplicação de muitas de suas disposições. 

O novo texto da Constituição, após a EC n° 8/95, simplificou sobremaneira a compreensão de seu sentido, na medida em que abriu à exploração delegada todos os serviços de telecomunicações. A condição para tamanha liberação de um setor estratégico foi a de que a lei que regulasse o novo texto constitucional instituísse um órgão regulador e propiciasse a organização dos serviços (art. 2° da EC n° 8/95).8 Noutras palavras, o Poder Público deixou de ser explorador de serviços para se tornar regulador, delegador e fiscalizador dos serviços de telecomunicações. E tal incumbência não poderia ser regulamentada senão por lei. 

Neste contexto, foi editada a Lei n° 9.295/96 (conhecida como a “Lei Mínima”), a qual estabeleceu (cm pouco mais de uma dúzia de artigos) lineamentos genéricos para a outorga de licenças para exploração de alguns serviços de telecomunicações (satélites, serviços limitados, celular). Esta lei estabeleceu, também, a primeira definição legal de “serviço de valor adicionado”, como adiante se verá.

Com o intervalo de um ano, foi editada a referida Lei Geral de Telecomunicações. Esta lei, verdadeiramente geral, impôs ao Poder Público (à Anatel, portanto, juntamente com as demais pessoas de direito público competentes) alguns deveres, com destaque para o de “garantir, a toda a população, o acesso às telecomunicações, a tarifas e preços razoáveis, em condições adequadas” (art. 2°, inciso I). O Poder Público descumprirá seu dever sempre que impedir ou embaraçar as iniciativas que propiciem serviços de telecomunicações de boa qualidade, com preços razoáveis à população. 

Outro dever será o de “adotar medidas que promovam a competiçã ) e a diversidade dos serviços, incrementem sua oferta e propiciem padrões de qualidade compatíveis com a exigência dos usuários”. A lei proíbe a omissão estatal. O Estado tem de implementar medidas e estas medidas devem propiciar (i) o aumento da competição (ou seja, aumento da quantidade de prestadores ou exploradores de serviços de telecomunicações, ativos e qualificados para atender aos interessados), (ii) a diversidade dos serviços (de tal modo que, além de múltiplos prestadores, os usuários possam escolher entre diversos serviços diferentes, a seu critério), (iii) o crescimento da oferta de serviços, (iv) a disponibilidade, em favor dos usuários, de padrões de qualidade que satisfaçam aos usuários. Este dispositivo traduz sábia subordinação do legislador a uma lei não legislada que é a da Oferta e da Demanda. O Poder Público é ordenado a melhorar o acesso do usuário às telecomunicações. 

Também a criação de oportunidades de investimento e o estímulo ao desenvolvimento tecnológico e industrial, em ambiente competitivo, são deveres atribuídos ao Estado. 

Em linha com os deveres estabelecidos nos demais incisos do mesmo artigo 2°, o Estado deverá se empenhar por gerar oportunidades de investimento, ou seja, deverá dar ensejo a que oportunidades empresariais gerem aplicação de recursos que alimentem negócios potencialmente lucrativos, em círculo virtuoso. O desenvolvimento tecnológico e o desenvolvimento industrial são também deveres do Poder Público, o que fará exercendo sua competência regulamentar de modo que não obstaculize a implementação de novastecnologias ou o estabelecimento de novas indústrias. 

De tudo o mais importante é que a intervenção estatal ocorra em ambiente competitivo. O Estado não pode proteger indústrias; não pode proteger tecnologias; não pode proteger regiões ou empresas. Deve, sim, interferir menos para estimular mais, como leciona Nelson Sérgio Mannheimer. A lei rechaça a interferência que repita erros da história recente, em que a burocracia se reputa mais qualificada do que as forças da economia e mais rápida do que a evolução tecnológica. Mais do que inadequadas, tais posturas estatais são agora ilegais e este aspecto é crucial para a adequada compreensão do tema proposto.

Em linha com os deveres do Estado (e, portanto, da Anatel) estão os direitos dos usuários, com ênfase para a liberdade de escolha de sua prestadora de serviço. Para que o modelo competitivo possa funcionar, é crucial que o usuário possa escolher seu prestador; que possa conhecer as condições contratuais de cada qual dos diversos prestadores e, em função delas, eleger aquele que lhe convenha. 

Os princípios constitucionais da liberdade de iniciativa e da livre concorrência foram ratificados pela Lei Geral (art. 5°), como não poderia deixar de ser. Mas não há dispositivo qualquer (e isto é de grande importância para a interpretação da LGT) com direitos e garantias dos monopolistas ou dos atuais exploradores dos serviços (os chamados “incumbents”). 

Resulta, então, claro que o novo marco regulatório rejeita as restrições estatais que impliquem em diminuição da competição ou em restrição à amplitude do direito de os usuários escolherem dentre os diversos serviços de telecomunicações. E importante repetir sempre: trata-se de imposição de lei federal e não de reles programa de governo. 

2 O novo modelo admite restrições à prestação dos serviços 

Exceções (cuja ocorrência confirma a regra) há para o regime de ampla liberdade, em ambiente de competição, imposto pela Lei Geral. 

2.1 Competição entre concessionária e autorizatária 

A Lei Geral de Telecomunicações prevê dois regimes jurídicos de prestação dos serviços de telecomunicações, quais sejam, o público e o privado. 

O regime público corresponde àqueles serviços em relação aos quais a União tenha assumido o dever de universalização, ou seja, o de garantir acesso ao respectivo serviço de telecomunicações a toda pessoa ou instituição, independentemente de sua localização e condição socioeconômica. Neste regime, a exploração do serviço se dará mediante concessão, ou seja, sob formato e deveres que muitas vezes conílitarão com a gestão empresarial voltada ao lucro. 

O regime privado é aplicável a todos os demais serviços. 

Entretanto, a Lei Geral admitiu e o Plano Geral de Outorgas criou o Serviço Telefônico Fixo Comutado, como o único serviço explorado em regime público e privado, simultaneamente. Desta exploração dicotômica resulta a necessidade de estabelecimento de certas proteções mínimas às empresas concessionárias, em relação às respectivas autorizatárias (conhecidas no jargão do setor, como “empresas espelho”), pois aquelas têm de fazer a universalização, mesmo o que não lhes pareça lucrativo, enquanto estas não têm restrições tarifárias ou deveres de universalizar. 

Neste caso, o Estado, por meio da Agência Nacional de Telecomunicações ANATEL deve intervir para assegurar a competição, em benefício do usuário. Para tanto, determinou a Lei Geral:

Art. 66. Quando um serviço for, ao mesmo tempo, explorado nos regimes público e privado, serão adotadas medidas que impeçam a inviabilidade econômica de sua prestação no regime público.

E mais, Plano Geral de Outorgas deve ser concebido para, dentre outras finalidades, “(…) propiciar ajusta remuneração da prestadora do serviço no regime público”. 

Convém notar que a agência não deverá assegurar a lucratividade propriamente dita, mas apenas as garantias mínimas para não tornar inviável (ou seja, destinada à morte) a empresa concessionária (que explora o serviço em regime público) e para gerar “justa remuneração”. Compreender e registrar a especificidade da proteção às concessionárias, de que tratamos neste ponto, somada ao foco legislativo sobre o usuário, de que tratamos anteriormente, é fundamental para afastar e sepultar de vez certo entendimento de que o Poder Público deveria proteger os investidores que adquiriram determinados ativos ou concessões. Em realidade, os direitos e garantias dos prestadores de serviços de telecomunicações no Brasil, especialmente os que foram objeto de desestatização, são aqueles constantes da lei e dos compromissos estabelecidos com o Poder Público, mas não há garantia de viabilizar iniciativas empresariais pelo esforço e ação estatais. 

A lei protegeu ao usuário e nele estará o foco da atuação do poder concedente, bem como do intérprete da lei. 

2.2 Estímulo à competição; repressão à concentração de mercado 

Outra possibilidade de intervenção da agência será voltada à proteção contra o abuso do poder econômico e à repressão dos efeitos negativos da competição imperfeita, como mecanismo de amplificação da competição. E o que decorre do art. 71: 

Art. 71. Visando a propiciar competição efetiva e a impedir a concentração econômica no mercado, a Agência poderá estabelecer restrições, limites ou condições a empresas ou grupos empresariais quanto à obtenção e transferência de concessões, permissões e autorizações.

Decorre do artigo transcrito que certas empresas, ou grupos empresariais poderão ser proibidos de obter outorgas para prestação de serviços de telecomunicações, pelo fato de que tal outorga pudesse pôr em risco a competição efetiva e pudesse implicar em concentração de mercado. São diversas as situações em que um operador de telecomunicações possa produzir atuação anticompetitiva, como, nos dá conta a regulamentação, nos exemplos abaixo: 

1. esteve vedada a qualquer empresa, sua coligada, controlada ou controladora, deter simultaneamente autorização para prestação do Serviço Telefônico Fixo Comutado nos âmbitos (i) Local e (ii) Longa Distância Nacional e Internacional; 

2. concessionária do Serviço Telefônico Fixo Comutado, assim como sua coligada, controlada ou controladora também não poderão obter autorização para o mesmo serviço, salvo se se comprometer a transferir o seu contrato de concessão a outrem, no prazo máximo de 18 meses, contado a partir da data de expedição da autorização; 

3. as empresas espelho (as autorizatárias), assim como sua controladora, controlada ou coligada somente poderão obter novas autorizações para prestação do Serviço Telefônico Fixo Comutado a partir do cumprimento integral das obrigações de expansão e atendimento, segundo o compromissó^assumido, em decorrência de licitação, com a Anatel; 

4. concessionárias de Serviço Telefônico Fixo Comutado, bem como suas controladoras, controladas ou coligadas não poderão prestar nenhum novo serviço de telecomunicação antes de cumprir integralmente as obrigações de universalização e expansão decorrentes de seus contratos de concessão; 

5. as concessionárias do STFC, tanto quanto suas coligadas, controladas e controladoras, foram proibidas de participar da licitação para obtenção de autorizações de uso do espectro de radiofreqüências, nas faixas de 3,5 GHz e de 10,5 GHz, como consta do item 4.2.1 do Edital n° 002/2006/SPV-ANATEL. 

6. nenhuma prestadora do Serviço Móvel Pessoal (SMP) poderá deter autorização para uso de radiofreqüência em largura de faixa maior do que 50 MHz. 

Tais exemplos revelam com clareza que o poder constritor c prócompetitivo, deferido pelo art. 71 da Eei Geral de Telecomunicações à Anatel, não é para proteger investidores, “incumbents” ou empresários em especial, mas sim para impedir que grupos econômicos em posição de dominação sobre determinado mercado relevante possam reforçar sua posição de domínio e sua condição de impedir o acesso de novos competidores a este mesmo mercado. 

3 Serviços de valor adicionado 

3.1 Definição de SVA 

O conceito de serviço de valor adicionado foi criado, desde há muito, mas sua aplicação, em termos de regulação de telecomunicações data de 1991. A definição de Serviço de Valor Adicionado foi proposta pelo inciso XXXIV do art. 3° do Decreto n° 177/91 (já citado anteriormente), o qual aprovou o Regulamento dos Serviços Limitados de Telecomunicações, nos seguintes termos: 

Art. 3º. Para os fins deste Regulamento e das normas reguladoras complementares, são adotadas as seguintes definições:
(…)

XXXIV – SERVIÇO DE VALOR ADICIONADO: serviço que acrescenta a uma rede pré-existente de um serviço de telecomunicações, meios e/ou recursos que criam novas utilidades específicas, ou novas atividades produtivas, relacionadas com o acesso, armazenamento, movimentação e recuperação da informação;

Bem se vê que a definição do Decreto n° 177 não exclui (e antes inclui, aincla que parcialmente) tal serviço dentre os serviços de telecomunicações. Assim fazendo, o decreto tornava necessária, em muitos casos, a obtenção de prévia outorga para sua prestação, nos termos do Código Brasileiro de Telecomunicações e do art. 21 da Constituição Federal então vigentes. 

Por identificar uma “privatização” das telecomunicações, o Partido dos Trabalhadores propôs contra o tal decreto a Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 561-8, há pouco mencionada, a qual resultou não conhecida, em agosto de 1995, logo após a edição da Emenda Constitucional n° 8/95. 

Na esteira de tal decisão e da promulgação da emenda constitucional referida, foi editada a Lei Mínima, cujo art. 10 determinou: 

Art. 10 E assegurada a qualquer interessado na prestação de Serviço de Valor Adicionado a utilização da rede pública de telecomunicações.
Parágrafo único. Serviço de Valor Adicionado é a atividade caracterizada pelo acréscimo de recursos a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte, criando novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação e recuperação de informações, não caracterizando exploração de serviço de telecomunicações.

Trata-se de verdadeira revolução no regime jurídico dos serviços de valor adicionado, na medida em que: 

(i) foi assegurado o acesso dos respectivos provedores à rede pública de telecomunicações. Até então, tal acesso era sujeito ao arbítrio dos administradores das empresas estatais exploradoras das redes públicas de telecomunicações, o que implicava desestimulo aos investimentos e a prevalência da manipulação política do acesso às redes públicas de telecomunicações (no sentido de seu uso como moeda de troca em alianças escusas); 

(ii) tais serviços foram definidos por lei. Até então o conceito de serviços de valor adicionado era mais um conceito empresarial ou comercial do que legal; 

(iii) os serviços de valor acionado foram definidos como não caracterizadores de serviços de telecomunicações, mesmo que prestados “sobre” um serviço de telecomunicações. Sendo assim, poderíam ser prestados por agentes privados, independentemente de prévia outorga do poder concedente (CF, art. 21, XI e XII). 

O mesmo Partido dos Trabalhadores requereu nova ação direta de inconstitucionalidade (a ADIN n° 1491-9), questionando, entre outros, o supratranscrito art. 10. Pretendia a agremiação política que a exclusão dos serviços de valor adicionado do escopo do controle e fiscalização estatais implicaria “o caos no sistema de telecomunicações”. 

Em defesa do teor da lei, a União afirmou que o serviço de valor adicionado é “mera adição de valor a serviço de telecomunicações” e citou exemplos: “o acesso à Internet, a secretária eletrônica e o fac-símile”. Os argumentos da União foram aceitos, e os do PT rejeitados, ao entendimento seguinte: 

É que, se o serviço de valor adicionado nada mais é que um ‘acréscimo de recursos a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte, criando novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação e recuperação de informações’, não se identifica ele, em termos ontológicos, com o serviço de telecomunicações. E ele, na verdade, ‘mera adição dc valor a serviço de telecomunicações já existente’, certo que a disposição legislativa propicia a possibilidade de competitividade e assim a prestação de melhores serviços à coletividade.

Está bem claro que a Suprema Corte do País (a qual, por maioria, votou com o Relator, em julgamento de liminar) reputou compatível com a Constituição a definição do serviço de valor adicionado proposta pela Lei Mínima. Reputou constitucional que os provedores tenham acesso garantido à rede pública de telecomunicações; reputou constitucional que existem serviços prestados sobre a rede de telecomunicações. 

Os exemplos citados no voto do Relator (fax e correio de voz) são bastante significativos, pois que se tratam de serviços ordinariamente concebidos como parte da telefonia e agora separados dela e, mais ainda, independentes de outorga do Poder Público, por simples disposição da lei. 

Ao tempo deste julgamento, o referido art. 10 fora revogado ejá vigia o art. 61 da Lei Geral de Telecomunicações, de seguinte teor: 

Art. 61. Serviço de valor adicionado é a atividade que acrescenta, a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte e com o qual não se confunde, novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação ou recuperação de informações.
§1° Serviço de valor adicionado não constitui serviço de telecomunicações, classificando-se seu provedor como usuário do serviço de telecomunicações que lhe dá suporte, com os direitos e deveres inerentes a essa condição.
§2° E assegurado aos interessados o uso das redes de serviços de telecomunicações para prestação de serviços de valor adicionado, cabendo à Agência, para assegurar esse direito, regular os condicionamentos, assim como o relacionamento entre aqueles e as prestadoras de serviço de telecomunicações.

A definição da Lei Geral parece aproveitar e, tentativamente, aperfeiçoar a definição da Lei Mínima: 

Lei Mínima Lei Geral
Serviço de Valor Adicionado é a atividade caracterizada pelo acréscimo de recursos a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte, criando novas utilidades relacio­ nadas ao acesso, armazenamento, apresen­ tação, movimentação e recuperação de informações, não caracterizando exploração de serviço de telecomunicações. Serviço de Valor Adicionado é a atividade que acrescenta, a um serviço de telecomu­ nicações que lhe dá suporte e com o qual não se confunde, novas utilidades relacio­ nadas ao acesso, armazenamento, apresen­ tação, movimentação ou recuperação de informações.

A principal diferença é a inserção da locução “com o qual não se confunde”, a qual será crucial para compreensão da matéria, como se verá adiante. 

De todo modo, resulta prevalecer, no Brasil, hoje, a definição de serviço de valor adicionado constante do parágrafo único do art. 63 da LGT, ou seja: serviço que agrega a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte utilidades diferentes das do próprio serviço de telecomunicação, que podem consistir em acesso a informações, armazenamento de informações, apresentação de informações, movimentação de informações ou na recuperação de informações. 

Importante lembrar que ao usuário deve ser perfeitamente possível diferenciar o serviço de telecomunicações (suporte) e o serviço de valor adicionado (suportado). Esse o importante acréscimo da Lei Geral de Telecomunicações em relação à Lei Mínima. 

3.2 SVA não são serviços de telecomunicações 

Posto o conceito de Serviço de Valor Adicionado, resulta importante registrar, sem maior discussão, como princípio legal e inquestionável, que o mesmo não se constitui em serviço de telecomunicação. Portanto, pode ser prestado sem outorga da Anatel. 

Esta conclusão produzirá polêmica permanente, relacionada com a distinção de quais sejam os serviços de telecomunicações explorados por simples convergência tecnológica, daqueles em que há efetiva agregação de valor, inconfundível com o serviço que os suporte. A polêmica se instala na medida em que muitas das utilidades que podem ser adicionadas a um serviço de telecomunicações terminam por se constituir noutros serviços de telecomunicações conhecidos: telefonia na Internet, pager nos celulares e trunkings, telefonia na TV a Cabo; IV a Cabo na telefonia. Nestes casos, o simples fato de se tratar de serviço diferente do serviço suporte caracterizará o serviço de valor adicionado? A resposta é não. Além de se diferenciar, o serviço precisará contar com agregação efetiva de valor e uma tal agregação não se pode resumir à operação de um outro (novo) serviço de telecomunicações. 

4 Serviços de voz podem ser prestados sob diversas estruturas regulatórias 

Verificou-se, até aqui, que: (i) o modelo imposto por lei federal, para prestação de serviços de telecomunicações no Brasil é competitivo e sem proteções a mercados ou empresas e (ii) os serviços de valor adicionados não são serviços de telecomunicações e podem ser prestados sem outorga específica do Poder Público. 

Todavia, para compreensão do regime jurídico das comunicações de voz, baseadas em protocolo IP (voice overlP, ou VOIP), é preciso ainda conhecer alguns dos regimes jurídicos dos serviços de telecomunicações de voz. 

4.1 Serviço Telefônico Fixo Comutado 

O Plano Geral de Outorgas definiu o Serviço Telefônico Fixo Comutado como sendo o “serviço de telecomunicações que, por meio da transmissão de voz e de outros sinais, destina-se à comunicação entre pontos fixos determinados, utilizando processos de telefonia”. 

Bem se vê que o serviço telefônico, tipicamente uma aplicação de voz, convive com conceito de que seu usuário poderá cursar “outros sinais” que não a voz humana. Na contestação à ação cautelar inominada requerida pela Brasil Telecom S/A, contra a ANATEL – Agência Nacional de Telecomunicações e Global Village Telecom – GVT (cujo objetivo era obter provimento judicial para suspender a eficácia de decisão da ANATEL, que negou à autora pedido para não pagar à GVT a remuneração de rede pelo acesso exclusivo de Internet, que esta lhe está cobrando, como sendo parte integrante da remuneração de rede pela transmissão de voz), a ANATEL afirmou que uma interconexão Classe I não se desvirtua pelo fato de o tráfego cursado ser de  dados e não de voz: 

(…) O Serviço Telefônico Fixo Comutado, conforme definição do Regulamento do STFC, aprovado pela Resolução n° 85/98, em seu artigo 3o, é o “serviço de telecomunicações que, por meio de transmissão de voz e outros sinais, destina-se à comunicação entre pontos fixos determinados, utilizando processos de telefonia”. De acordo com a supra-citada definição, o que caracteriza a prestação de STFC não é o fato de seu conteúdo ser “voz”, mas também a possibilidade de carregar outros sinais utilizando os meios de transmissão típicos de processo de telefonia. Ora, uma vez instalada uma linha telefônica no endereço do usuário, é impossível a qualquer prestadora de serviços de telefonia impedir que o usuário utilize sua linha para transmissão e/ou recebimento de outros sinais que não exclusivamente voz. Ao utilizar sua linha para transmitir outros sinais, o usuário não estará, evidentemente, descaracterizando o meio que contratou, ou seja, o STFC. Em outras palavras, o “conteúdo” veiculado pelo usuário em determinada linha telefônica não tem, por si só, o condão de alterar a natureza do serviço prestado, descaracterizando a prestação do STFC. Sendo assim, ainda que se entenda que as chamadas cursadas pelos usuários para provedores de acesso à Internet não constituem transmissão de sinais de voz propriamente ditos, mas sim de outros sinais, referida distinção não descaracteriza a prestação do STFC e, bem assim, não desincumbe as prestadoras do pagamento da interconexão envolvida no tráfego destas chamadas.

Portanto, o STFC, a típica aplicação de voz fixa, não é regulatoriamente definido como comunicação de voz apenas: pode ser a comunicação de outros sinais. Mas é substancialmente empregado por seus usuários como serviço de voz.

4.2 Serviço Móvel Pessoal

O Serviço Móvel Pessoal é o serviço de telecomunicações móvel, terrestre, de interesse coletivo, que possibilita a comunicação entre estações móveis e de estações móveis para outras estações, sucedâneo do Serviço Móvel Celular (que fora criado pela Lei Mínima).

Nenhuma definição regulatória estabelece que o serviço pessoal é comunicação de voz, ou telefonia. Trata-se de serviço de comunicação genericamente, que pode ser empregado para tráfego de dados ou de voz ou outros. Mas, tanto quanto o STFC, o SMP é essencialmente usado para comunicações de voz.

4.3 Serviços limitados

A Lei n° 9.295/96 (Lei Mínima) definiu os serviços limitados como sendo “o serviço de telecomunicações destinado ao uso próprio do executante ou à prestação a terceiros, desde que sejam estes uma mesma pessoa, ou grupo de pessoas naturais ou jurídicas, caracterizado pela realização de atividade específica”.

O Regulamento de Serviço Limitado (mantido pelo Decreto n° 3.896/01) definiu serviços limitados como sendo “serviço de telecomunicações destinado ao uso próprio do executante ou à prestação a terceiros, desde que sejam estes uma mesma pessoa, ou grupo de pessoas naturais ou jurídicas, caracterizado pela realização de atividade específica”. 

A Norma Geral de Telecomunicações n° 13/97 regulou, em detalhe, os Serviços Limitados, de maneira que todas as suas modalidades são compatíveis com aplicações de voz, mesmo que não de forma preponderante.

4.4 Serviço avançado de radiochamada

Outra possibilidade de tráfego de voz sem caracterizar telefonia é o Serviço Avançado de Mensagens, regulado pela Norma n° 11/97, aprovada pela Portaria n° 559, de 3 de novembro de 1997, assim definido:

a) Serviço Avançado de Mensagens: serviço especial de telecomunicações utilizado para múltiplas aplicações móveis bidirecionais, podendo transmitir dados, voz, ou qualquer outra forma de telecomunicação, utilizando-se das faixas de freqüências de 901 -902 MHz, 930-931 MHz e 940-941 MHz.

Tal serviço pode, inclusive, ser prestado mediante interconexão com a rede pública de telefonia, e ainda o tráfego entre a rede pública de telecomunicações e rede do SAM pode ser encaminhado por qualquer ponto de interconexão entre as mesmas, independentemente dos pontos de origem e destino da comunicação. Não se trata de serviço de voz, mas pode viabilizar comunicação de voz.

4.5 SRTT

Serviço de Rede de Transporte de Telecomunicações é o serviço destinado a transportar sinais de voz, telegráficos, dados ou qualquer outra forma de sinais de telecomunicações entre pontos fixos.

Incluem-se no seu escopo serviços tais como o Especial de Repetição de Sinais de TV e Vídeo, Especial de Repetição de Sinais de Áudio, Serviço por Linha Dedicada – SLD, Serviço por Linha Dedicada para Sinais Analógicos – SEDA, Serviço por Linha Dedicada para Sinais Digitais – SLDD, Serviço de Rede Comutada por Pacote, Serviço de Rede Comutada por Circuito.

Também este serviço é prestado em regime privado, com clara admissibilidade do transporte de voz e, mais importante, mediante interconexões que podem extrapolar as áreas demarcadas das concessionárias de Serviço Telefônico Fixo Comutado.

4.6 SCM

O mais atual dos serviços regulados pela Anatel, o Serviço de Comunicação Multimídia é regulado pela Resolução n° 272/01 e pelo Termo de Autorização padrão, aprovado pela Resolução n° 328/03.

Sua definição é ampla justamente para contemplar, sob seu manto, a prestação de quaisquer serviços de telecomunicações. O SCM, ao fim e ao cabo, se define pelo que não é, ou seja, pelas utilidades que ele é proibido de prestar, quais sejam, o Serviço Telefônico Fixo Comutado, destinado ao uso do público em geral, além dos serviços de comunicação eletrônica de massa, tais como o Serviço de Radiodifusão, o Serviço de TV a Cabo, o Serviço de Distribuição de Sinais Multiponto Multicanal (MMDS) e o Serviço de Distribuição de Sinais de Televisão e de Audio por Assinatura via Satélite (DTH).

Tirante tais atividades, que caracterizam esses serviços específicos, o SCM dá guarida a qualquer outro serviço de telecomunicação, inclusive, é evidente, serviços de comunicação de voz, com uso de processos de telefonia.

4.7 Diversidade prática e regulamentar

Verificados os serviços acima, regulados pela Anatel, nos termos da Lei Geral de Telecomunicações, os quais foram enumerados em caráter exemplificativo, a conclusão clara que se extrai é a de que não é qualquer serviço de voz que se constitui em telefonia. Tampouco o serviço de telefonia é apenas um serviço de voz. Pode-se prestar serviço de voz sem uma autorização ou concessão para prestação do STFC.

Esta constatação preliminar é fundamental para afastar a impressão de que qualquer serviço de voz, mesmo sobre o Internet Protocol (“IP”), mesmo que interligado à rede pública de telefonia, seja ele também um serviço telefônico. O serviço telefônico é o assim definido na regulamentação. Qualquer outro serviço de voz, com características especiais ou inconfundíveis com as do Serviço Telefônico Fixo Comutado não poderá ser sujeito às regras deste mesmo STFC.

Esta conclusão, que se procurou demonstrar por comparação entre diversos serviços de telecomunicações, será ainda mais verdadeira quando se tratar de serviço de valor adicionado. É que, neste último caso, a inconfundibilidade será dada por definição: o serviço que agrega valor não é telecomunicação e, por isso mesmo, jamais poderá ser telefonia.

E o teste conducente à qualificação jurídica do serviço de voz será feito a partir das características de cada serviço ofertado. Poder-se-á qualificar uma oferta de serviço de voz desde uma prestação de STFC até a pura e simples licença de software.

5 Voz sobre IP

Não há, no Brasil, legislação específica acerca dos serviços de voz sobre IP. E natural que seja assim, 11a medida em que a Internet e seu protocolo são mundialmente regidos pelo princípio da não regulação estatal. Disso decorre seu sucesso e importância.

É de grande utilidade conhecer o direito comparado em matéria de voz sobre IP.

5.1 Nos EUA

A principal referência mundial em termos de regulação de mercados de telecomunicações competitivos são os Estados Unidos, cuja agência regulatória é a primogênita entre suas colegas mundiais.

O Federal Communications Comission (o FCC) estabeleceu debate público, voltado à identificação da possibilidade e da conveniência de que a telefonia por Internet fosse regulada. O debate foi aberto por requerimento da America’s Carriers Telecommunication Association – ACTA, associação das empresas de telefonia de longa distância. O que a agência americana constatou foi a inaplicabilidade das regras existentes, sobre telefonia, à comunicação de voz, por meio do IP. Quanto à regulação desta nova tecnologia, preferiu o FCC abster-se de interferir e ainda respeitar o caráter anárquico (no sentido de ordenação caótica) da Internet. A comunicação de voz, via IP, está aceita e admitida, mas sob certas condições que estabeleçam diferença clara em relação aos serviços ordinários de telefonia. Em seu minucioso relatório OPP Working Paper n° 29, Digital Tornado: The Internet and Telecommunications Policy, o FCC constata as limitações tecnológicas ao poder de regulamentar, afirmando:

Porque não está vinculada aos ambientes regulatórios tradicionais, a Internet tem o potencial de modificar dramaticamente o cenário das telecomunicações. A Internet cria novas formas de competição, valiosos serviços para os usuários finais e benefícios para a economia. A abordagem governamental quanto à Internet deveria, portanto, partir de duas premissas: evitar regulação desnecessária e questionar a aplicabilidade das regras tradicionais.

Dentre as diferenças estabelecidas pelo FCC estão: (i) qualidade da comunicação inferior à da telefonia comutada; (ii) faturamento por outra base que não o tempo de utilização; (iii) envolver pelo menos um usuário de computador; (iv) utilizar transmissão mediante compressão digital.

Adicionalmente, o escritório de consultoria jurídica especializada Blumenfeld & Cohen – Technology Law Group propõe as seguintes distinções:

The differences between the Internet and the PSTN are more than a clash of culturcs. Each historically uses radically diffcrent technologies, architectures and pricing mechanisms. (You may also want to review a schematic drawing of the Internet architecture.) 

PSTN.                                                          Internet

Circuit-switched.                                        Packet-switched

Physical connection.                                   Connectionless

Static switching.                                         Dynamic routing

Geographic numbering.                            Non-geographic addressing

Centralized                                                   Decentralized intelligence

Transport=applications                            Transport not= applications

Scale economies.                                          Low-scale entry

Settlements.                                                 Peering agreements

Usage-based pricing.                                 Flat-rate pricing

Regulated -> competitive.                        Competitive -> ????

 

Os elementos acima propostos identificam as diferenças e devem ser aproveitados, não só para compreensão da diferença, mas também para definição do perfil de um novo provedor de serviços de valor adicionado de voz, via Internet.

Mais recentemente, o mesmo FCC decidiu o rumoroso caso “Pulver”. O serviço oferecido por esta empresa permitia que usuários de acesso à Internet em banda larga pudessem fazer chamadas de voz entre si, diretamente e sem custo. Em 2003, a própria Pulver pediu à FCC que reconhecesse que o seu serviço nem se constituía em “serviço de telecomunicação”, nem em “telecomunicação” (e, portanto, não sujeito à regulação tradicional da telefonia). Em fevereiro de 2004, o FCC aprovou o entendimento da Pulver e ainda afirmou que pulver, tanto quanto outros aplicativos na Internet como ele, promete significativos benefícios na forma de preços menores e maiores funcionalidades, além de encorajar os consumidores a se conectarem em banda larga.

Logo a seguir, em novembro de 2004, a comissão reguladora americana julgou outro caso importante, da prestadora de serviços VOIP, chamada Vonage. Usuários do serviço Digital Voice podem usar seus terminais a partir de uma conexão de banda larga, em qualquer lugar do mundo, o que torna difícil saber se chamada é local, interestadual ou internacional, razão pela qual a comissão decidiu que o serviço não era sujeito à regulação ordinária dos serviços de telefonia.

Fica evidente que, nos Estados Unidos, há uma ação enfática para disseminar e proteger as ofertas de VOIP, para que estas concorram com as ofertas pré-existentes de serviços de voz (telefonia).

5.2 Na Europa

Na Europa, a Comissão da Comunidade Européia tem competência legal para impor parâmetros sobre todos os países da Comunidade. No continente europeu, apesar da existência de importantes operadoras estatais, terminou resolvida a questão em favor da liberalização da comunicação de voz via IP.

A Diretiva 90/388/EEC determina que a Internet não está submetida aos regulamentos relativos à telefonia, e a comissão só cogitaria de uma regulamentação específica se e quando a comunicação de voz pela Internet e a telefonia comutada se tornassem idênticas.

Segundo o regulador europeu, a telefonia por Internet seria telefonia comum se (i) sujeita à oferta comercial, (ii) o serviço for oferecido ao público, (iii) o serviço for provido de e para terminais conectados à rede pública de telefonia (iv) envolver conversa em tempo real.

Em 2005, o European Regulators Group – ERG expediu uma declaração conjunta sobre VOIP, pela qual reconheceu que VOIP é potencialmente benéfica para o mercado e para os usuários, que há na Europa uma moldura regulatória da prestação e uso do VOIP e que a regulação deve ser focada nos usuários. Os reguladores europeus devem monitorar e facilitar o desenvolvimento do mercado de VOIP.

6 Conclusão 

Procuramos descrever (i) o modelo legal brasileiro de regulação de telecomunicações, baseado na competição ampla; (ii) o conceito jurídico regulatório de serviço de valor adicionado; (iii) as características regulatórias dos principais serviços de voz; (iv) a abordagem regulatória adotada pela Federal Gommunication Comission – FCC e pela Comunidade Européia.

Feita essa contextualização, é possível refletir e propor enquadramento regulatórios para cada qual das principais formas de VOIP conhecidas, como se segue.

6.1 Comunicação de PC a PC

É possível a omunicação de voz entre dois computadores ligados à Internet. Para tanto, os computadores devem possuir equipamentos de audição e fala, além cie software que capte as emissões das pessoas envolvidas, transforme-as em pacotes IP, tanto na emissão, quanto na recepção. A oferta desses softwares, gratuita nos dias atuais, não se constitui em oferta de telecomunicação, nem a realização das chamadas de voz de um computador a outro (chamadas, no jargão, de PC a PC) se constitui em atividade de telecomunicação.

Assim é porque a emissão dos sinais, tanto quanto sua recepção, nem é ofertada, nem é desempenhada pelas operadoras de telecomunicações envolvidas (e que vendem a comunicação de dados que interliga os dois computadores), lais atividades são realizadas pelos próprios terminais (os computadores), o que exclui sua caracterização como serviço de telecomunicação.

6.2 PC to Phone

Segunda possibilidade é a chamada entre um computador e um telefone. Neste caso, numa ponta há a prestação do serviço de telecomunicação (ao titular do telefone), mas na outra ponta (a do computador) não há telecomunicação. A conexão entre ambos só se pode dar por oferta de serviço de telecomunicação. Assim é porque a interligação do PC com o telefone requer a oferta estruturada de atividades que possibilitam a oferta da emissão (ou recepção) e a transmissão, por processo eletromagnético no protocolo IP, dos pacotes de dados que se constituem na comunicação de voz entre os envolvidos.

6.3 VOIP aberta entre telefones

Embora regulatoriamente não sejam claras as características do STFC, como visto acima, é certo que se trata do serviço universal, preponderantemente de voz, cuja rede é interconectada a todas as demais, segundo o antigo conceito da rede aberta à correspondência pública, para comunicações full duplex, ofertadas e bilhetadas preponderantemente por minuto de uso.

Uma oferta de serviço que envolva a possibilidade de originar, tanto quanto de receber chamadas de voz, com qualquer terminal de outras redes de telecomunicações (STFC, SMP, SCM ou outras), para comunicações full duplex, será considerada STFC, quer use o protocolo IP ou não. Noutras palavras, VOIP com essas características é o Serviço Telefônico Fixo Comutado.

Requer autorização prévia da Anatel, nos termos da Resolução n° 283/0167 e demais regulamentos aplicáveis.

6.4 PGMQ do STFC por VOIP

Problema interessante é a aplicação do Plano Geral de Metas de Qualidade para o Serviço Telefônico Fixo Comutado – PGMQ às ofertas de STFC no protocolo IP, em que o acesso à Internet se faz por serviço de comunicação de dados em banda larga. A enorme maioria das obrigações ali previstas parece compatível com a VOIP, mas algumas não serão simples de atender.

A obrigação de garantir a qualidade do sinal, fazendo com que o usuário receba sinais audíveis, identificáveis e nacionalmente padronizados (art. 4), pode ser atrapalhada ou inviabilizada pelo atraso (em milisegundos) e pela comunicação quase (mas não verdadeiramente) full duplex viabilizada pela tecnologia IP. Como a voz dos envolvidos fica metalizada, com um pequeno atraso na recepção dos sinais, o parâmetro do PGMQ seria descumprido.

De igual modo, a obrigação de garantir o sinal de discar em até 3 segundos, em 98% dos casos, nos períodos de maior movimento (art. 5) pode ser inviável, já que a alimentação de energia dos equipamentos de banda larga é feita pelas concessionárias de distribuição de energia e não obedece a esse critério de não interrupção: quando faltar energia, o PGMQ estará violado, salvo se o contrato de prestação de serviço com o assinante previr tal hipótese.

Por fim, a baixa taxa de queda de ligações (art. 8) será desrespeitada nas conexões IP de baixa qualidade.

6.5 SCM para prestar VOIP?

Serviço com estas características poderia ser prestado por autorizatária de Serviço de Comunicação Multimídia? Não, é a resposta. Ela decorre do
art. 66 do Regulamento do Serviço de Comunicação Multimídia, aprovado pela Resolução n° 272/01, que proíbe tal oferta, tanto quanto do item 12.2, III, do modelo de Termo de Autorização para Exploração do Serviço de Comunicação Multimídia, aprovado pela Resolução n° 328/03.

Mas, afinal, em quê o STFC e o SCM seriam distintos, nas ofertas de aplicações de voz? Caberia à Anatel a resposta, no exercício de sua competência para interpretar a legislação de telecomunicações (Lei Geral de Telecomunicações, art. 19, XVI), mas a súmula expedida sobre o SCM nada diz sobre o tema. Propomos alguns elementos de fato, distintivos entre STFC e SCM, como sejam (i) comunicação halfduplex, (ii) comunicação em redes fechadas (Virtual Private Networks’), (iii) comunicação dedicada a uma só modalidade de serviço diferente do STFC (terminais móveis, digamos), (iv) comunicação em canais fechados de voz.

Muitos intérpretes dos dispositivos normativos aplicáveis ao SCM negligenciam os dispositivos suprarreferidos e cometem o erro de fixar-se na restrição ao desempenho de função trânsito: “(…) o encaminhamento de tráfego telefônico por meio da rede de SCM simultaneamente originado e terminado nas redes do STFC”. O erro se acentua pela ênfase destes intérpretes na parte final do inciso 3 do item 12.2 do modelo de Termo de Autorização para Exploração do Serviço de Comunicação Multimídia: “(…) o encaminhamento de tráfego telefônico por meio da rede de SCM simultaneamente originado e terminado nas redes do STFC” é tratado como infração grave. Mas a norma é clara para afirmar que SCM deve ser diferente de-STFC, embora padeça do defeito grave de não esclarecer quais as diferenças esperadas ou aceitáveis.

6.6 VOIP entre terminais específicos

É possível prestar serviço de voz sob autorização do SCM? Sim, é a resposta. É claramente possível a prestação de serviços de voz, com características de telefonia, sob o manto de uma autorização de Serviço de Comunicação Multimídia. O cuidado deve estar com o elemento distintivo com o STFC, como antes demonstrado.

A oferta de SCM para aplicações de voz deve ser diferente do STFC:

Art. 66. Na prestação do SCM não é permitida a oferta de serviço com as características do Serviço Telefônico Fixo Comutado destinado ao uso do público em geral (STFC), em especial o encaminhamento de tráfego telefônico por meio da rede de SCM simultaneamente originado e terminado nas redes do STFC. (grifo nosso)

Cabe ao empresário de telecomunicações conceber ofertas de serviços de voz que sejam substancialmente distintas do STFC, sujeito à interpretação da agência reguladora (Lei Geral de Telecomunicações, art. 19, XVI).

6.7 VOIP num pacote de funcionalidades

A sofisticação da tecnologia tem produzido ofertas em pacote (bundle, no jargão em inglês, usado também no Brasil), nas quais a funcionalidade “comunicação de voz” é um pedaço menos importante, dentro do conjunto de funcionalidades. Exemplificamos com um serviço que envolvesse:

1. prioridade de chamadas: usuário estabelece prioridades entre os diversos números chamados ou chamadores, de modo que o terminal
repete as tentativas de conexão ou prioriza chamadas entrantes, segundo a hierarquia definida pelo usuário;

2. conversação simultânea (conference callf,

3. reconhecimento de voz: sistema identifica voz do usuário para realizar chamadas e liberar acesso a serviços/facilidades específicos;

4. vídeo conferência;

5. serviço de fax: armazenamento, transmissão e recepção de fax, com possibilidades de escolha de horário (por melhor tarifa, conveniência
do recebedor ou outro), de formato, de qualidade ou outras características;

6. monitoração da qualidade da chamada pelo usuário (aumenta ou diminui a qualidade, chamada a chamada, conforme o tipo de comunicação
desejada), com oscilação correspondente da tarifa; Trata-se de funcionalidade importante, em matéria de VOIP, porque as redes congestionadas
deterioram ao ponto da inviabilidade de comunicações de VOIP.

7. possibilidade de geração, envio e recebimento de mensagens de dados associadas ou não ao serviço de voz;

8. correio de voz, com possibilidades de armazenamento e movimentação das mensagens: o envio da mensagem para outro ou outros terminais
escolhidos pelo usuário ou para endereços de e-mail; gravação de mensagens específicas para chamadas recebidas de terminais específicos.

9. aviso de chamadas entrantes, conectado a e-mail ou telefone fixo (inclusive com a facilidade foliou me);

10. auxílio on-line, em múltiplos idiomas;

11. conjunto especial de tons (ou mensagens de voz), para identificar as diversas etapas da comunicação (sinal de linha disponível; linha ocupada; rede ocupada; terminal destinatário ocupado etc.);

12. acesso via computador ou outro tipo de terminal;

13. disponibilidade de acesso à Internet;

14. localização do destinatário (se o terminal discado estiver ocupado/não responde, o sistema repete as tentativas noutros terminais préprogramados);

15. outras funcionalidades.

Em qualquer dos casos antes mencionados (comunicação de PC a PC, PC tophone, VOIP aberta entre telefones, ou VOIP entre terminais específicos), a oferta associada destas funcionalidades, ou mesmo a oferta isolada de um sofisticado pacote: de funcionalidades, em que o serviço de voz não tenha relevância técnica, nem comercial, nem econômica, a avaliação regulatória precisará ser revista, jâxque a relevância da atividade regulada, no conjunto das atividades oferecidas, poderá determinar o reenquadramento regulatório dos serviços, ou mesmo a exclusão dos mesmos do escopo de atividades reguladas pela Anatel.

6.8 VOIP e tributos

A prestação de serviços de VOIP deve ser estudada com profundidade, também por conta dos efeitos tributários de seu correto enquadramento.

Quando VOIP se constituir em telecomunicação, serão exigíveis sobre o preço cobrado pelo serviço o ICMS – Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte, Interestadual e Intermunicipal, e de Comunicação, o PIS – Programa de
Integração Social e a COFINS – Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social, ambas em forma cumulativa, mais o FUST – Fundo de Universalização das Telecomunicações e o FUNTTEL – Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações (além do FISTEL – Fundo de Fiscalização das Telecomunicações, anual, sobre as estações respectivas). Não haverá incidência do ISS – Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza.

Já no caso de VOIP que não se constitua em telecomunicação, serão devidas as contribuições ao PIS e à COFINS, ambas em forma não cumulativa e, talvez, (sujeito à polêmica da exaustividadc ou não da Lista de Serviços da Lei Complementar n° 116/03) o ISS. Não serão devidos o ICMS, nem as contribuições ao FUST ou FUNTTEL, nem a taxa do FISTEL.

6.9 VOIP criminosa

Os serviços de voz sobre IP, enquanto comunicação de voz comercializada como tal, são regulados e sujeitos à autorização prévia da Anatel. Sua prestação pode caracterizar o crime previsto no art. 183 da LGT, com as conseqüências do art. 184 (dever de indenizar e perdimento dos equipamentos empregados na atividade, que é reputada clandestina), quando feita sem autorização da Anatel.

6.10 VOIP ilícita

Os serviços de voz sobre IP, enquanto comunicação de voz aberta e acessível entre terminais de quaisquer outras redes, caracterizam-se como Serviço Telefônico Fixo Comutado, e sua prestação sem autorização de STFC, expedida pela Anatel (mas com autorização de outro serviço de telecomunicação, que não o STFC), pode se constituir em infração administrativa. Casos há em que tal infração foi investigada e punida pela agência, com lacração de equipamentos e com aplicação de multas pecuniárias de R$18.000,00 (dezoito mil reais).

Em qualquer caso, a agência reguladora não poderá se furtar a sua competência de intérprete administrativa da legislação de telecomunicações e, portanto, de grande orientadora e fomentadora dos novos investimentos dos interessados na prestação de serviços de telecomunicações. Cabe à Anatel disseminar, com muito maior vigor e formalidade do que tem sido feito nos seus primeiros nove anos de existência, sua interpretação sobre os diversos aspectos da VOIP, de maneira a estimular concorrência no mercado. O silêncio do regulador aumenta o risco do investimento (já que o prestador de serviços não sabe os limites de sua ação, nem os limites das ações de seus concorrentes) e diminui a credibilidade do próprio regulador (cuja opinião ignorada fomenta as especulações).

Um passo importante seria a edição de documento formal (súmula seria o mais adequado), por meio do qual explicitaria (i) quais as formas de VOIP que não se constituem em serviço de telecomunicação, (ii) quais as formas de VOIP que se constituem em STFC e, por fim, quais as formas de VOIP que se enquadrariam nos demais serviços de telecomunicações (SCM, SMP etc.). O pronunciamento oficial da agência reguladora seria um estímulo aos operadores com interesses sérios no setor e um sinal grave para os que explorem as fragilidades do Poder Público no Brasil.

 

***CENEVIVA, Walter Vieira. Regime regulatório das comunicações de voz no protocolo IP (VOIP). Revista de Direito de Informática e Telecomunicações – RDIT, Belo Horizonte, v. 1, n. 1, p. 181-211, jul./dez. 2006.

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capa Revista de Direito de Informática e Telecomunicações, v. 1Walter Vieira Ceneviva

Advogado. Diretor da ABDI. Professor do curso de pós-graduação em Direito das Telecomunicações do Instituto de Pesquisas Jurídicas – IPEJUR, da Universidade da Cidade do Rio de Janeiro – UniverCidade, nas turmas de São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília e coordenador do mesmo em São Paulo. Sócio de Vieira Ceneviva Advogados Associados

*Artigo originalmente publicado na obra “Revista de Direito de Informática e Telecomunicações – Vol. I.

O impacto das novas tecnologias sobre o direito posto é enorme, destrutivo: conceitos outrora claros e dominados se tornam equívocos, incorretos, ou mesmo inconàpatíveis com a realidade. A tecnologia que permite comunicações de voz no protocolo IP (Internet Protocol) é um exemplo disto e seu efeito sobre a regulação das telecomunicações é importante. Tal aplicação é descrita pela Federal Communications Comission, a agência reguladora norteamericana, da seguinte maneira: 

Como VoIP / Voz pela Internet Funciona
A VoIP converte os sinais de voz de seu telefone num sinal digital que trafega pela Internet. Se você chamar um telefone normal, então o sinal é convertido novamente, na outra ponta. VoIP permite que você faça uma chamada diretamente de seu computador, de um telefone VoIP especial, ou de um telefone tradicional usando um adaptador. Além disso, novos “hot spots” sem fio, em áreas públicas, tais como aeroportos, parques e cafés, permitem que você se conecte à internet e muitos viabilizam o uso VoIP sem fio. Se você fizer a chamada, usando um telefone com adaptador, será possível realizar chamadas como sempre aconteceu e o prestador de serviço pode até dar o tom de discagem. Se o seu prestador de lhe atribuir um número de telefone normal, então uma pessoa poderá chamar de seu próprio telefone normal sem ter de usar um equipamento especial.

Nesse artigo, pretendemos pontuar o regime regulatório dos serviços de telecomunicações, o conceito de serviços de valor adicionado, as diversas formas regulatórias de prestação de serviços de voz, para concluir com uma abordagem dos serviços de voz, na tecnologia IP, à luz da legislação brasileira do setor. 

Por primeiro verificamos se, e como, o Poder Público, notadamente a Anatel, pode impor restrições à prestação de serviços de telecomunicações. Constatada a possibilidade de imposição de restrições, mas sempre focada nos princípios e comandos impostos à Anatel pela Lei Geral de Telecomunicações, o segundo passo é compreender o que sejam os serviços de valor adicionado. Terceira etapa é conhecer, ainda que superficialmente, o regime regulatório dos serviços de voz no Brasil. O direito comparado é a quarta etapa do estudo a que nos propomos para conduzir às conclusões a que chegamos, referenciadas a hipóteses concretas de serviços de voz. 

1. O novo modelo brasileiro das telecomunicações 

Até a edição da Lei n° 9.472/97 (a “Lei Geral de Telecomunicações”), as telecomunicações brasileiras erain regidas pelo vetusto Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei n° 4.117/62) e por seus regulamentos, um emaranhado de normas de interpretação confusa, multifária,3 cuja aplicação adequada sempre foi relegada para segundo plano, em função do modelo estatal centralizador que comandou o País durante a maior parte de sua vigência. 

Sob o “Código”, a outorga dos serviços de telecomunicações era centralizada no Ministério das Comunicações e os critérios de outorga eram subjetivos. O-Poder Público possuía poderes majestáticos, imperiais, os quais exercia sem preocupação de coerência, legalidade, conveniência, oportunidade. O exercício arbitrário de tais prerrogativas era robustecido pelo temor (ou terror) dos operadores de telecomunicações de buscar amparo judicial para proteção de seus direitos: caríssimos são os casos (mas geralmente bemsucedidos, ressalte-se) em que um licenciado questionou uma decisão do Ministério das Comunicações, mesmo nos (tantos!) casos em que a ilegalidade era manifesta. 

Nem mesmo o advento da Constituição de 1988 modificou este hiato, apesar da ostensiva inconstitucionalidade (ou não recepção) de muitas das disposições do Código Brasileiro de Telecomunicações e das posturas do Ministério das Comunicações com a Lei Maior. 

Esta situação jurídica evoluiu, por determinação do ambiente econômico nacional e mundial: o Estado esgotou a capacidade de investir pesadamente num setor intensivo de capital e se viu obrigado a privatizar a exploração dos serviços de telecomunicações. Tal exploração só se poderia dar caso aos capitalistas interessados em investir fossem dadas garantias de um “jogo justo”, protegido contra mudanças abruptas e arbitrárias. O contraponto dos interesses dos operadores de telecomunicações deveria passar a ser o interesse do usuário e não mais “as altas inspirações do progresso da Nação”, segundo a vontade do político de plantão no posto de Ministro. 

Neste contexto, foi promulgada a Emenda Constitucional n° 8, de 1995, que dispõe: 

Art. 1º O inciso XI e a alínea “a” do inciso XII do art. 21 da Constituição Federal passam a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 21. Compete à União:

…………………………………….
XI – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da Lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais;

II – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão:
a) os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens;”
Art. 2° É vedada a adoção de medida provisória para regulamentar o disposto no inciso XI do art. 21 com a redação dada por esta emenda constitucional.

A redação original dos dispositivos modificados era, respectivamente: 

redação original redação emendada
“Art. 21. Compete à União: “Art. 21. Compete à União:
inciso XI “XI – explorar, diretamente ou mediante concessão a empresas sob controle acionário estatal, os serviços telefônicos, telegráficos, de transmissão de dados e demais serviços públicos de telecomuni­cações, assegurada a prestação de serviços de informações por enti­dades de direito privado através da rede pública de telecomunicações explorada pela União;” XI – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessã:: ou permissão, osserviços de teleco­municações, nos termos da Lei, q disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais;”
inciso XII, letra “a” “XII – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão: a) os serviços de radiodifusão sonora, de sons e imagens e demais serviços de tele­comunicações;” “XII – explorar, diretamente o_ mediante autorização, concessãc ou permissão: a) os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens;”

Os serviços de telecomunicações estavam divididos, antes da emenda, em dois grupos: o primeiro abrangia os serviços telefônicos, os serviços telegráficos, os serviços de transmissão de dados e os “demais” serviços públicos de telecomunicações, além da exploração da rede pública de telecomunicações, pela União. Todos estes serviços só poderiam ser explorados diretamente pela própria timão ou por empresas submetidas a controle acionário da própria União, ou de Estados, do Distrito Federal, ou de Municípios. 

O segundo grupo era o dos “demais serviços de telecomunicações”, os quais eram passíveis de exploração privada, mediante autorização, permissão ou concessão. 

Restava, pois, à lei definir os serviços que se enquadrariam num ou noutro regime jurídico (salvo, é claro, os expressamente nominados no inciso XI como serviços públicos). Esta lei nunca foi editada, no regime da Constituição de 1988, e o Decreto n° 177, de 17 de Julho de 19915 representou a mais clara tentativa de realizar essa definição. Tal decreto6 foi objeto de uma ação direta de inconstitucionalidade, cujo mérito jamais foi julgado,7 mas cuja propositura pura e simples terminou por bloquear a aplicação de muitas de suas disposições. 

O novo texto da Constituição, após a EC n° 8/95, simplificou sobremaneira a compreensão de seu sentido, na medida em que abriu à exploração delegada todos os serviços de telecomunicações. A condição para tamanha liberação de um setor estratégico foi a de que a lei que regulasse o novo texto constitucional instituísse um órgão regulador e propiciasse a organização dos serviços (art. 2° da EC n° 8/95).8 Noutras palavras, o Poder Público deixou de ser explorador de serviços para se tornar regulador, delegador e fiscalizador dos serviços de telecomunicações. E tal incumbência não poderia ser regulamentada senão por lei. 

Neste contexto, foi editada a Lei n° 9.295/96 (conhecida como a “Lei Mínima”), a qual estabeleceu (cm pouco mais de uma dúzia de artigos) lineamentos genéricos para a outorga de licenças para exploração de alguns serviços de telecomunicações (satélites, serviços limitados, celular). Esta lei estabeleceu, também, a primeira definição legal de “serviço de valor adicionado”, como adiante se verá.

Com o intervalo de um ano, foi editada a referida Lei Geral de Telecomunicações. Esta lei, verdadeiramente geral, impôs ao Poder Público (à Anatel, portanto, juntamente com as demais pessoas de direito público competentes) alguns deveres, com destaque para o de “garantir, a toda a população, o acesso às telecomunicações, a tarifas e preços razoáveis, em condições adequadas” (art. 2°, inciso I). O Poder Público descumprirá seu dever sempre que impedir ou embaraçar as iniciativas que propiciem serviços de telecomunicações de boa qualidade, com preços razoáveis à população. 

Outro dever será o de “adotar medidas que promovam a competiçã ) e a diversidade dos serviços, incrementem sua oferta e propiciem padrões de qualidade compatíveis com a exigência dos usuários”. A lei proíbe a omissão estatal. O Estado tem de implementar medidas e estas medidas devem propiciar (i) o aumento da competição (ou seja, aumento da quantidade de prestadores ou exploradores de serviços de telecomunicações, ativos e qualificados para atender aos interessados), (ii) a diversidade dos serviços (de tal modo que, além de múltiplos prestadores, os usuários possam escolher entre diversos serviços diferentes, a seu critério), (iii) o crescimento da oferta de serviços, (iv) a disponibilidade, em favor dos usuários, de padrões de qualidade que satisfaçam aos usuários. Este dispositivo traduz sábia subordinação do legislador a uma lei não legislada que é a da Oferta e da Demanda. O Poder Público é ordenado a melhorar o acesso do usuário às telecomunicações. 

Também a criação de oportunidades de investimento e o estímulo ao desenvolvimento tecnológico e industrial, em ambiente competitivo, são deveres atribuídos ao Estado. 

Em linha com os deveres estabelecidos nos demais incisos do mesmo artigo 2°, o Estado deverá se empenhar por gerar oportunidades de investimento, ou seja, deverá dar ensejo a que oportunidades empresariais gerem aplicação de recursos que alimentem negócios potencialmente lucrativos, em círculo virtuoso. O desenvolvimento tecnológico e o desenvolvimento industrial são também deveres do Poder Público, o que fará exercendo sua competência regulamentar de modo que não obstaculize a implementação de novastecnologias ou o estabelecimento de novas indústrias. 

De tudo o mais importante é que a intervenção estatal ocorra em ambiente competitivo. O Estado não pode proteger indústrias; não pode proteger tecnologias; não pode proteger regiões ou empresas. Deve, sim, interferir menos para estimular mais, como leciona Nelson Sérgio Mannheimer. A lei rechaça a interferência que repita erros da história recente, em que a burocracia se reputa mais qualificada do que as forças da economia e mais rápida do que a evolução tecnológica. Mais do que inadequadas, tais posturas estatais são agora ilegais e este aspecto é crucial para a adequada compreensão do tema proposto.

Em linha com os deveres do Estado (e, portanto, da Anatel) estão os direitos dos usuários, com ênfase para a liberdade de escolha de sua prestadora de serviço. Para que o modelo competitivo possa funcionar, é crucial que o usuário possa escolher seu prestador; que possa conhecer as condições contratuais de cada qual dos diversos prestadores e, em função delas, eleger aquele que lhe convenha. 

Os princípios constitucionais da liberdade de iniciativa e da livre concorrência foram ratificados pela Lei Geral (art. 5°), como não poderia deixar de ser. Mas não há dispositivo qualquer (e isto é de grande importância para a interpretação da LGT) com direitos e garantias dos monopolistas ou dos atuais exploradores dos serviços (os chamados “incumbents”). 

Resulta, então, claro que o novo marco regulatório rejeita as restrições estatais que impliquem em diminuição da competição ou em restrição à amplitude do direito de os usuários escolherem dentre os diversos serviços de telecomunicações. E importante repetir sempre: trata-se de imposição de lei federal e não de reles programa de governo. 

2 O novo modelo admite restrições à prestação dos serviços 

Exceções (cuja ocorrência confirma a regra) há para o regime de ampla liberdade, em ambiente de competição, imposto pela Lei Geral. 

2.1 Competição entre concessionária e autorizatária 

A Lei Geral de Telecomunicações prevê dois regimes jurídicos de prestação dos serviços de telecomunicações, quais sejam, o público e o privado. 

O regime público corresponde àqueles serviços em relação aos quais a União tenha assumido o dever de universalização, ou seja, o de garantir acesso ao respectivo serviço de telecomunicações a toda pessoa ou instituição, independentemente de sua localização e condição socioeconômica. Neste regime, a exploração do serviço se dará mediante concessão, ou seja, sob formato e deveres que muitas vezes conílitarão com a gestão empresarial voltada ao lucro. 

O regime privado é aplicável a todos os demais serviços. 

Entretanto, a Lei Geral admitiu e o Plano Geral de Outorgas criou o Serviço Telefônico Fixo Comutado, como o único serviço explorado em regime público e privado, simultaneamente. Desta exploração dicotômica resulta a necessidade de estabelecimento de certas proteções mínimas às empresas concessionárias, em relação às respectivas autorizatárias (conhecidas no jargão do setor, como “empresas espelho”), pois aquelas têm de fazer a universalização, mesmo o que não lhes pareça lucrativo, enquanto estas não têm restrições tarifárias ou deveres de universalizar. 

Neste caso, o Estado, por meio da Agência Nacional de Telecomunicações ANATEL deve intervir para assegurar a competição, em benefício do usuário. Para tanto, determinou a Lei Geral:

Art. 66. Quando um serviço for, ao mesmo tempo, explorado nos regimes público e privado, serão adotadas medidas que impeçam a inviabilidade econômica de sua prestação no regime público.

E mais, Plano Geral de Outorgas deve ser concebido para, dentre outras finalidades, “(…) propiciar ajusta remuneração da prestadora do serviço no regime público”. 

Convém notar que a agência não deverá assegurar a lucratividade propriamente dita, mas apenas as garantias mínimas para não tornar inviável (ou seja, destinada à morte) a empresa concessionária (que explora o serviço em regime público) e para gerar “justa remuneração”. Compreender e registrar a especificidade da proteção às concessionárias, de que tratamos neste ponto, somada ao foco legislativo sobre o usuário, de que tratamos anteriormente, é fundamental para afastar e sepultar de vez certo entendimento de que o Poder Público deveria proteger os investidores que adquiriram determinados ativos ou concessões. Em realidade, os direitos e garantias dos prestadores de serviços de telecomunicações no Brasil, especialmente os que foram objeto de desestatização, são aqueles constantes da lei e dos compromissos estabelecidos com o Poder Público, mas não há garantia de viabilizar iniciativas empresariais pelo esforço e ação estatais. 

A lei protegeu ao usuário e nele estará o foco da atuação do poder concedente, bem como do intérprete da lei. 

2.2 Estímulo à competição; repressão à concentração de mercado 

Outra possibilidade de intervenção da agência será voltada à proteção contra o abuso do poder econômico e à repressão dos efeitos negativos da competição imperfeita, como mecanismo de amplificação da competição. E o que decorre do art. 71: 

Art. 71. Visando a propiciar competição efetiva e a impedir a concentração econômica no mercado, a Agência poderá estabelecer restrições, limites ou condições a empresas ou grupos empresariais quanto à obtenção e transferência de concessões, permissões e autorizações.

Decorre do artigo transcrito que certas empresas, ou grupos empresariais poderão ser proibidos de obter outorgas para prestação de serviços de telecomunicações, pelo fato de que tal outorga pudesse pôr em risco a competição efetiva e pudesse implicar em concentração de mercado. São diversas as situações em que um operador de telecomunicações possa produzir atuação anticompetitiva, como, nos dá conta a regulamentação, nos exemplos abaixo: 

1. esteve vedada a qualquer empresa, sua coligada, controlada ou controladora, deter simultaneamente autorização para prestação do Serviço Telefônico Fixo Comutado nos âmbitos (i) Local e (ii) Longa Distância Nacional e Internacional; 

2. concessionária do Serviço Telefônico Fixo Comutado, assim como sua coligada, controlada ou controladora também não poderão obter autorização para o mesmo serviço, salvo se se comprometer a transferir o seu contrato de concessão a outrem, no prazo máximo de 18 meses, contado a partir da data de expedição da autorização; 

3. as empresas espelho (as autorizatárias), assim como sua controladora, controlada ou coligada somente poderão obter novas autorizações para prestação do Serviço Telefônico Fixo Comutado a partir do cumprimento integral das obrigações de expansão e atendimento, segundo o compromissó^assumido, em decorrência de licitação, com a Anatel; 

4. concessionárias de Serviço Telefônico Fixo Comutado, bem como suas controladoras, controladas ou coligadas não poderão prestar nenhum novo serviço de telecomunicação antes de cumprir integralmente as obrigações de universalização e expansão decorrentes de seus contratos de concessão; 

5. as concessionárias do STFC, tanto quanto suas coligadas, controladas e controladoras, foram proibidas de participar da licitação para obtenção de autorizações de uso do espectro de radiofreqüências, nas faixas de 3,5 GHz e de 10,5 GHz, como consta do item 4.2.1 do Edital n° 002/2006/SPV-ANATEL. 

6. nenhuma prestadora do Serviço Móvel Pessoal (SMP) poderá deter autorização para uso de radiofreqüência em largura de faixa maior do que 50 MHz. 

Tais exemplos revelam com clareza que o poder constritor c prócompetitivo, deferido pelo art. 71 da Eei Geral de Telecomunicações à Anatel, não é para proteger investidores, “incumbents” ou empresários em especial, mas sim para impedir que grupos econômicos em posição de dominação sobre determinado mercado relevante possam reforçar sua posição de domínio e sua condição de impedir o acesso de novos competidores a este mesmo mercado. 

3 Serviços de valor adicionado 

3.1 Definição de SVA 

O conceito de serviço de valor adicionado foi criado, desde há muito, mas sua aplicação, em termos de regulação de telecomunicações data de 1991. A definição de Serviço de Valor Adicionado foi proposta pelo inciso XXXIV do art. 3° do Decreto n° 177/91 (já citado anteriormente), o qual aprovou o Regulamento dos Serviços Limitados de Telecomunicações, nos seguintes termos: 

Art. 3º. Para os fins deste Regulamento e das normas reguladoras complementares, são adotadas as seguintes definições:
(…)

XXXIV – SERVIÇO DE VALOR ADICIONADO: serviço que acrescenta a uma rede pré-existente de um serviço de telecomunicações, meios e/ou recursos que criam novas utilidades específicas, ou novas atividades produtivas, relacionadas com o acesso, armazenamento, movimentação e recuperação da informação;

Bem se vê que a definição do Decreto n° 177 não exclui (e antes inclui, aincla que parcialmente) tal serviço dentre os serviços de telecomunicações. Assim fazendo, o decreto tornava necessária, em muitos casos, a obtenção de prévia outorga para sua prestação, nos termos do Código Brasileiro de Telecomunicações e do art. 21 da Constituição Federal então vigentes. 

Por identificar uma “privatização” das telecomunicações, o Partido dos Trabalhadores propôs contra o tal decreto a Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 561-8, há pouco mencionada, a qual resultou não conhecida, em agosto de 1995, logo após a edição da Emenda Constitucional n° 8/95. 

Na esteira de tal decisão e da promulgação da emenda constitucional referida, foi editada a Lei Mínima, cujo art. 10 determinou: 

Art. 10 E assegurada a qualquer interessado na prestação de Serviço de Valor Adicionado a utilização da rede pública de telecomunicações.
Parágrafo único. Serviço de Valor Adicionado é a atividade caracterizada pelo acréscimo de recursos a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte, criando novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação e recuperação de informações, não caracterizando exploração de serviço de telecomunicações.

Trata-se de verdadeira revolução no regime jurídico dos serviços de valor adicionado, na medida em que: 

(i) foi assegurado o acesso dos respectivos provedores à rede pública de telecomunicações. Até então, tal acesso era sujeito ao arbítrio dos administradores das empresas estatais exploradoras das redes públicas de telecomunicações, o que implicava desestimulo aos investimentos e a prevalência da manipulação política do acesso às redes públicas de telecomunicações (no sentido de seu uso como moeda de troca em alianças escusas); 

(ii) tais serviços foram definidos por lei. Até então o conceito de serviços de valor adicionado era mais um conceito empresarial ou comercial do que legal; 

(iii) os serviços de valor acionado foram definidos como não caracterizadores de serviços de telecomunicações, mesmo que prestados “sobre” um serviço de telecomunicações. Sendo assim, poderíam ser prestados por agentes privados, independentemente de prévia outorga do poder concedente (CF, art. 21, XI e XII). 

O mesmo Partido dos Trabalhadores requereu nova ação direta de inconstitucionalidade (a ADIN n° 1491-9), questionando, entre outros, o supratranscrito art. 10. Pretendia a agremiação política que a exclusão dos serviços de valor adicionado do escopo do controle e fiscalização estatais implicaria “o caos no sistema de telecomunicações”. 

Em defesa do teor da lei, a União afirmou que o serviço de valor adicionado é “mera adição de valor a serviço de telecomunicações” e citou exemplos: “o acesso à Internet, a secretária eletrônica e o fac-símile”. Os argumentos da União foram aceitos, e os do PT rejeitados, ao entendimento seguinte: 

É que, se o serviço de valor adicionado nada mais é que um ‘acréscimo de recursos a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte, criando novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação e recuperação de informações’, não se identifica ele, em termos ontológicos, com o serviço de telecomunicações. E ele, na verdade, ‘mera adição dc valor a serviço de telecomunicações já existente’, certo que a disposição legislativa propicia a possibilidade de competitividade e assim a prestação de melhores serviços à coletividade.

Está bem claro que a Suprema Corte do País (a qual, por maioria, votou com o Relator, em julgamento de liminar) reputou compatível com a Constituição a definição do serviço de valor adicionado proposta pela Lei Mínima. Reputou constitucional que os provedores tenham acesso garantido à rede pública de telecomunicações; reputou constitucional que existem serviços prestados sobre a rede de telecomunicações. 

Os exemplos citados no voto do Relator (fax e correio de voz) são bastante significativos, pois que se tratam de serviços ordinariamente concebidos como parte da telefonia e agora separados dela e, mais ainda, independentes de outorga do Poder Público, por simples disposição da lei. 

Ao tempo deste julgamento, o referido art. 10 fora revogado ejá vigia o art. 61 da Lei Geral de Telecomunicações, de seguinte teor: 

Art. 61. Serviço de valor adicionado é a atividade que acrescenta, a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte e com o qual não se confunde, novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação ou recuperação de informações.
§1° Serviço de valor adicionado não constitui serviço de telecomunicações, classificando-se seu provedor como usuário do serviço de telecomunicações que lhe dá suporte, com os direitos e deveres inerentes a essa condição.
§2° E assegurado aos interessados o uso das redes de serviços de telecomunicações para prestação de serviços de valor adicionado, cabendo à Agência, para assegurar esse direito, regular os condicionamentos, assim como o relacionamento entre aqueles e as prestadoras de serviço de telecomunicações.

A definição da Lei Geral parece aproveitar e, tentativamente, aperfeiçoar a definição da Lei Mínima: 

Lei Mínima Lei Geral
Serviço de Valor Adicionado é a atividade caracterizada pelo acréscimo de recursos a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte, criando novas utilidades relacio­ nadas ao acesso, armazenamento, apresen­ tação, movimentação e recuperação de informações, não caracterizando exploração de serviço de telecomunicações. Serviço de Valor Adicionado é a atividade que acrescenta, a um serviço de telecomu­ nicações que lhe dá suporte e com o qual não se confunde, novas utilidades relacio­ nadas ao acesso, armazenamento, apresen­ tação, movimentação ou recuperação de informações.

A principal diferença é a inserção da locução “com o qual não se confunde”, a qual será crucial para compreensão da matéria, como se verá adiante. 

De todo modo, resulta prevalecer, no Brasil, hoje, a definição de serviço de valor adicionado constante do parágrafo único do art. 63 da LGT, ou seja: serviço que agrega a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte utilidades diferentes das do próprio serviço de telecomunicação, que podem consistir em acesso a informações, armazenamento de informações, apresentação de informações, movimentação de informações ou na recuperação de informações. 

Importante lembrar que ao usuário deve ser perfeitamente possível diferenciar o serviço de telecomunicações (suporte) e o serviço de valor adicionado (suportado). Esse o importante acréscimo da Lei Geral de Telecomunicações em relação à Lei Mínima. 

3.2 SVA não são serviços de telecomunicações 

Posto o conceito de Serviço de Valor Adicionado, resulta importante registrar, sem maior discussão, como princípio legal e inquestionável, que o mesmo não se constitui em serviço de telecomunicação. Portanto, pode ser prestado sem outorga da Anatel. 

Esta conclusão produzirá polêmica permanente, relacionada com a distinção de quais sejam os serviços de telecomunicações explorados por simples convergência tecnológica, daqueles em que há efetiva agregação de valor, inconfundível com o serviço que os suporte. A polêmica se instala na medida em que muitas das utilidades que podem ser adicionadas a um serviço de telecomunicações terminam por se constituir noutros serviços de telecomunicações conhecidos: telefonia na Internet, pager nos celulares e trunkings, telefonia na TV a Cabo; IV a Cabo na telefonia. Nestes casos, o simples fato de se tratar de serviço diferente do serviço suporte caracterizará o serviço de valor adicionado? A resposta é não. Além de se diferenciar, o serviço precisará contar com agregação efetiva de valor e uma tal agregação não se pode resumir à operação de um outro (novo) serviço de telecomunicações. 

4 Serviços de voz podem ser prestados sob diversas estruturas regulatórias 

Verificou-se, até aqui, que: (i) o modelo imposto por lei federal, para prestação de serviços de telecomunicações no Brasil é competitivo e sem proteções a mercados ou empresas e (ii) os serviços de valor adicionados não são serviços de telecomunicações e podem ser prestados sem outorga específica do Poder Público. 

Todavia, para compreensão do regime jurídico das comunicações de voz, baseadas em protocolo IP (voice overlP, ou VOIP), é preciso ainda conhecer alguns dos regimes jurídicos dos serviços de telecomunicações de voz. 

4.1 Serviço Telefônico Fixo Comutado 

O Plano Geral de Outorgas definiu o Serviço Telefônico Fixo Comutado como sendo o “serviço de telecomunicações que, por meio da transmissão de voz e de outros sinais, destina-se à comunicação entre pontos fixos determinados, utilizando processos de telefonia”. 

Bem se vê que o serviço telefônico, tipicamente uma aplicação de voz, convive com conceito de que seu usuário poderá cursar “outros sinais” que não a voz humana. Na contestação à ação cautelar inominada requerida pela Brasil Telecom S/A, contra a ANATEL – Agência Nacional de Telecomunicações e Global Village Telecom – GVT (cujo objetivo era obter provimento judicial para suspender a eficácia de decisão da ANATEL, que negou à autora pedido para não pagar à GVT a remuneração de rede pelo acesso exclusivo de Internet, que esta lhe está cobrando, como sendo parte integrante da remuneração de rede pela transmissão de voz), a ANATEL afirmou que uma interconexão Classe I não se desvirtua pelo fato de o tráfego cursado ser de  dados e não de voz: 

(…) O Serviço Telefônico Fixo Comutado, conforme definição do Regulamento do STFC, aprovado pela Resolução n° 85/98, em seu artigo 3o, é o “serviço de telecomunicações que, por meio de transmissão de voz e outros sinais, destina-se à comunicação entre pontos fixos determinados, utilizando processos de telefonia”. De acordo com a supra-citada definição, o que caracteriza a prestação de STFC não é o fato de seu conteúdo ser “voz”, mas também a possibilidade de carregar outros sinais utilizando os meios de transmissão típicos de processo de telefonia. Ora, uma vez instalada uma linha telefônica no endereço do usuário, é impossível a qualquer prestadora de serviços de telefonia impedir que o usuário utilize sua linha para transmissão e/ou recebimento de outros sinais que não exclusivamente voz. Ao utilizar sua linha para transmitir outros sinais, o usuário não estará, evidentemente, descaracterizando o meio que contratou, ou seja, o STFC. Em outras palavras, o “conteúdo” veiculado pelo usuário em determinada linha telefônica não tem, por si só, o condão de alterar a natureza do serviço prestado, descaracterizando a prestação do STFC. Sendo assim, ainda que se entenda que as chamadas cursadas pelos usuários para provedores de acesso à Internet não constituem transmissão de sinais de voz propriamente ditos, mas sim de outros sinais, referida distinção não descaracteriza a prestação do STFC e, bem assim, não desincumbe as prestadoras do pagamento da interconexão envolvida no tráfego destas chamadas.

Portanto, o STFC, a típica aplicação de voz fixa, não é regulatoriamente definido como comunicação de voz apenas: pode ser a comunicação de outros sinais. Mas é substancialmente empregado por seus usuários como serviço de voz.

4.2 Serviço Móvel Pessoal

O Serviço Móvel Pessoal é o serviço de telecomunicações móvel, terrestre, de interesse coletivo, que possibilita a comunicação entre estações móveis e de estações móveis para outras estações, sucedâneo do Serviço Móvel Celular (que fora criado pela Lei Mínima).

Nenhuma definição regulatória estabelece que o serviço pessoal é comunicação de voz, ou telefonia. Trata-se de serviço de comunicação genericamente, que pode ser empregado para tráfego de dados ou de voz ou outros. Mas, tanto quanto o STFC, o SMP é essencialmente usado para comunicações de voz.

4.3 Serviços limitados

A Lei n° 9.295/96 (Lei Mínima) definiu os serviços limitados como sendo “o serviço de telecomunicações destinado ao uso próprio do executante ou à prestação a terceiros, desde que sejam estes uma mesma pessoa, ou grupo de pessoas naturais ou jurídicas, caracterizado pela realização de atividade específica”.

O Regulamento de Serviço Limitado (mantido pelo Decreto n° 3.896/01) definiu serviços limitados como sendo “serviço de telecomunicações destinado ao uso próprio do executante ou à prestação a terceiros, desde que sejam estes uma mesma pessoa, ou grupo de pessoas naturais ou jurídicas, caracterizado pela realização de atividade específica”. 

A Norma Geral de Telecomunicações n° 13/97 regulou, em detalhe, os Serviços Limitados, de maneira que todas as suas modalidades são compatíveis com aplicações de voz, mesmo que não de forma preponderante.

4.4 Serviço avançado de radiochamada

Outra possibilidade de tráfego de voz sem caracterizar telefonia é o Serviço Avançado de Mensagens, regulado pela Norma n° 11/97, aprovada pela Portaria n° 559, de 3 de novembro de 1997, assim definido:

a) Serviço Avançado de Mensagens: serviço especial de telecomunicações utilizado para múltiplas aplicações móveis bidirecionais, podendo transmitir dados, voz, ou qualquer outra forma de telecomunicação, utilizando-se das faixas de freqüências de 901 -902 MHz, 930-931 MHz e 940-941 MHz.

Tal serviço pode, inclusive, ser prestado mediante interconexão com a rede pública de telefonia, e ainda o tráfego entre a rede pública de telecomunicações e rede do SAM pode ser encaminhado por qualquer ponto de interconexão entre as mesmas, independentemente dos pontos de origem e destino da comunicação. Não se trata de serviço de voz, mas pode viabilizar comunicação de voz.

4.5 SRTT

Serviço de Rede de Transporte de Telecomunicações é o serviço destinado a transportar sinais de voz, telegráficos, dados ou qualquer outra forma de sinais de telecomunicações entre pontos fixos.

Incluem-se no seu escopo serviços tais como o Especial de Repetição de Sinais de TV e Vídeo, Especial de Repetição de Sinais de Áudio, Serviço por Linha Dedicada – SLD, Serviço por Linha Dedicada para Sinais Analógicos – SEDA, Serviço por Linha Dedicada para Sinais Digitais – SLDD, Serviço de Rede Comutada por Pacote, Serviço de Rede Comutada por Circuito.

Também este serviço é prestado em regime privado, com clara admissibilidade do transporte de voz e, mais importante, mediante interconexões que podem extrapolar as áreas demarcadas das concessionárias de Serviço Telefônico Fixo Comutado.

4.6 SCM

O mais atual dos serviços regulados pela Anatel, o Serviço de Comunicação Multimídia é regulado pela Resolução n° 272/01 e pelo Termo de Autorização padrão, aprovado pela Resolução n° 328/03.

Sua definição é ampla justamente para contemplar, sob seu manto, a prestação de quaisquer serviços de telecomunicações. O SCM, ao fim e ao cabo, se define pelo que não é, ou seja, pelas utilidades que ele é proibido de prestar, quais sejam, o Serviço Telefônico Fixo Comutado, destinado ao uso do público em geral, além dos serviços de comunicação eletrônica de massa, tais como o Serviço de Radiodifusão, o Serviço de TV a Cabo, o Serviço de Distribuição de Sinais Multiponto Multicanal (MMDS) e o Serviço de Distribuição de Sinais de Televisão e de Audio por Assinatura via Satélite (DTH).

Tirante tais atividades, que caracterizam esses serviços específicos, o SCM dá guarida a qualquer outro serviço de telecomunicação, inclusive, é evidente, serviços de comunicação de voz, com uso de processos de telefonia.

4.7 Diversidade prática e regulamentar

Verificados os serviços acima, regulados pela Anatel, nos termos da Lei Geral de Telecomunicações, os quais foram enumerados em caráter exemplificativo, a conclusão clara que se extrai é a de que não é qualquer serviço de voz que se constitui em telefonia. Tampouco o serviço de telefonia é apenas um serviço de voz. Pode-se prestar serviço de voz sem uma autorização ou concessão para prestação do STFC.

Esta constatação preliminar é fundamental para afastar a impressão de que qualquer serviço de voz, mesmo sobre o Internet Protocol (“IP”), mesmo que interligado à rede pública de telefonia, seja ele também um serviço telefônico. O serviço telefônico é o assim definido na regulamentação. Qualquer outro serviço de voz, com características especiais ou inconfundíveis com as do Serviço Telefônico Fixo Comutado não poderá ser sujeito às regras deste mesmo STFC.

Esta conclusão, que se procurou demonstrar por comparação entre diversos serviços de telecomunicações, será ainda mais verdadeira quando se tratar de serviço de valor adicionado. É que, neste último caso, a inconfundibilidade será dada por definição: o serviço que agrega valor não é telecomunicação e, por isso mesmo, jamais poderá ser telefonia.

E o teste conducente à qualificação jurídica do serviço de voz será feito a partir das características de cada serviço ofertado. Poder-se-á qualificar uma oferta de serviço de voz desde uma prestação de STFC até a pura e simples licença de software.

5 Voz sobre IP

Não há, no Brasil, legislação específica acerca dos serviços de voz sobre IP. E natural que seja assim, 11a medida em que a Internet e seu protocolo são mundialmente regidos pelo princípio da não regulação estatal. Disso decorre seu sucesso e importância.

É de grande utilidade conhecer o direito comparado em matéria de voz sobre IP.

5.1 Nos EUA

A principal referência mundial em termos de regulação de mercados de telecomunicações competitivos são os Estados Unidos, cuja agência regulatória é a primogênita entre suas colegas mundiais.

O Federal Communications Comission (o FCC) estabeleceu debate público, voltado à identificação da possibilidade e da conveniência de que a telefonia por Internet fosse regulada. O debate foi aberto por requerimento da America’s Carriers Telecommunication Association – ACTA, associação das empresas de telefonia de longa distância. O que a agência americana constatou foi a inaplicabilidade das regras existentes, sobre telefonia, à comunicação de voz, por meio do IP. Quanto à regulação desta nova tecnologia, preferiu o FCC abster-se de interferir e ainda respeitar o caráter anárquico (no sentido de ordenação caótica) da Internet. A comunicação de voz, via IP, está aceita e admitida, mas sob certas condições que estabeleçam diferença clara em relação aos serviços ordinários de telefonia. Em seu minucioso relatório OPP Working Paper n° 29, Digital Tornado: The Internet and Telecommunications Policy, o FCC constata as limitações tecnológicas ao poder de regulamentar, afirmando:

Porque não está vinculada aos ambientes regulatórios tradicionais, a Internet tem o potencial de modificar dramaticamente o cenário das telecomunicações. A Internet cria novas formas de competição, valiosos serviços para os usuários finais e benefícios para a economia. A abordagem governamental quanto à Internet deveria, portanto, partir de duas premissas: evitar regulação desnecessária e questionar a aplicabilidade das regras tradicionais.

Dentre as diferenças estabelecidas pelo FCC estão: (i) qualidade da comunicação inferior à da telefonia comutada; (ii) faturamento por outra base que não o tempo de utilização; (iii) envolver pelo menos um usuário de computador; (iv) utilizar transmissão mediante compressão digital.

Adicionalmente, o escritório de consultoria jurídica especializada Blumenfeld & Cohen – Technology Law Group propõe as seguintes distinções:

The differences between the Internet and the PSTN are more than a clash of culturcs. Each historically uses radically diffcrent technologies, architectures and pricing mechanisms. (You may also want to review a schematic drawing of the Internet architecture.) 

PSTN.                                                          Internet

Circuit-switched.                                        Packet-switched

Physical connection.                                   Connectionless

Static switching.                                         Dynamic routing

Geographic numbering.                            Non-geographic addressing

Centralized                                                   Decentralized intelligence

Transport=applications                            Transport not= applications

Scale economies.                                          Low-scale entry

Settlements.                                                 Peering agreements

Usage-based pricing.                                 Flat-rate pricing

Regulated -> competitive.                        Competitive -> ????

 

Os elementos acima propostos identificam as diferenças e devem ser aproveitados, não só para compreensão da diferença, mas também para definição do perfil de um novo provedor de serviços de valor adicionado de voz, via Internet.

Mais recentemente, o mesmo FCC decidiu o rumoroso caso “Pulver”. O serviço oferecido por esta empresa permitia que usuários de acesso à Internet em banda larga pudessem fazer chamadas de voz entre si, diretamente e sem custo. Em 2003, a própria Pulver pediu à FCC que reconhecesse que o seu serviço nem se constituía em “serviço de telecomunicação”, nem em “telecomunicação” (e, portanto, não sujeito à regulação tradicional da telefonia). Em fevereiro de 2004, o FCC aprovou o entendimento da Pulver e ainda afirmou que pulver, tanto quanto outros aplicativos na Internet como ele, promete significativos benefícios na forma de preços menores e maiores funcionalidades, além de encorajar os consumidores a se conectarem em banda larga.

Logo a seguir, em novembro de 2004, a comissão reguladora americana julgou outro caso importante, da prestadora de serviços VOIP, chamada Vonage. Usuários do serviço Digital Voice podem usar seus terminais a partir de uma conexão de banda larga, em qualquer lugar do mundo, o que torna difícil saber se chamada é local, interestadual ou internacional, razão pela qual a comissão decidiu que o serviço não era sujeito à regulação ordinária dos serviços de telefonia.

Fica evidente que, nos Estados Unidos, há uma ação enfática para disseminar e proteger as ofertas de VOIP, para que estas concorram com as ofertas pré-existentes de serviços de voz (telefonia).

5.2 Na Europa

Na Europa, a Comissão da Comunidade Européia tem competência legal para impor parâmetros sobre todos os países da Comunidade. No continente europeu, apesar da existência de importantes operadoras estatais, terminou resolvida a questão em favor da liberalização da comunicação de voz via IP.

A Diretiva 90/388/EEC determina que a Internet não está submetida aos regulamentos relativos à telefonia, e a comissão só cogitaria de uma regulamentação específica se e quando a comunicação de voz pela Internet e a telefonia comutada se tornassem idênticas.

Segundo o regulador europeu, a telefonia por Internet seria telefonia comum se (i) sujeita à oferta comercial, (ii) o serviço for oferecido ao público, (iii) o serviço for provido de e para terminais conectados à rede pública de telefonia (iv) envolver conversa em tempo real.

Em 2005, o European Regulators Group – ERG expediu uma declaração conjunta sobre VOIP, pela qual reconheceu que VOIP é potencialmente benéfica para o mercado e para os usuários, que há na Europa uma moldura regulatória da prestação e uso do VOIP e que a regulação deve ser focada nos usuários. Os reguladores europeus devem monitorar e facilitar o desenvolvimento do mercado de VOIP.

6 Conclusão 

Procuramos descrever (i) o modelo legal brasileiro de regulação de telecomunicações, baseado na competição ampla; (ii) o conceito jurídico regulatório de serviço de valor adicionado; (iii) as características regulatórias dos principais serviços de voz; (iv) a abordagem regulatória adotada pela Federal Gommunication Comission – FCC e pela Comunidade Européia.

Feita essa contextualização, é possível refletir e propor enquadramento regulatórios para cada qual das principais formas de VOIP conhecidas, como se segue.

6.1 Comunicação de PC a PC

É possível a omunicação de voz entre dois computadores ligados à Internet. Para tanto, os computadores devem possuir equipamentos de audição e fala, além cie software que capte as emissões das pessoas envolvidas, transforme-as em pacotes IP, tanto na emissão, quanto na recepção. A oferta desses softwares, gratuita nos dias atuais, não se constitui em oferta de telecomunicação, nem a realização das chamadas de voz de um computador a outro (chamadas, no jargão, de PC a PC) se constitui em atividade de telecomunicação.

Assim é porque a emissão dos sinais, tanto quanto sua recepção, nem é ofertada, nem é desempenhada pelas operadoras de telecomunicações envolvidas (e que vendem a comunicação de dados que interliga os dois computadores), lais atividades são realizadas pelos próprios terminais (os computadores), o que exclui sua caracterização como serviço de telecomunicação.

6.2 PC to Phone

Segunda possibilidade é a chamada entre um computador e um telefone. Neste caso, numa ponta há a prestação do serviço de telecomunicação (ao titular do telefone), mas na outra ponta (a do computador) não há telecomunicação. A conexão entre ambos só se pode dar por oferta de serviço de telecomunicação. Assim é porque a interligação do PC com o telefone requer a oferta estruturada de atividades que possibilitam a oferta da emissão (ou recepção) e a transmissão, por processo eletromagnético no protocolo IP, dos pacotes de dados que se constituem na comunicação de voz entre os envolvidos.

6.3 VOIP aberta entre telefones

Embora regulatoriamente não sejam claras as características do STFC, como visto acima, é certo que se trata do serviço universal, preponderantemente de voz, cuja rede é interconectada a todas as demais, segundo o antigo conceito da rede aberta à correspondência pública, para comunicações full duplex, ofertadas e bilhetadas preponderantemente por minuto de uso.

Uma oferta de serviço que envolva a possibilidade de originar, tanto quanto de receber chamadas de voz, com qualquer terminal de outras redes de telecomunicações (STFC, SMP, SCM ou outras), para comunicações full duplex, será considerada STFC, quer use o protocolo IP ou não. Noutras palavras, VOIP com essas características é o Serviço Telefônico Fixo Comutado.

Requer autorização prévia da Anatel, nos termos da Resolução n° 283/0167 e demais regulamentos aplicáveis.

6.4 PGMQ do STFC por VOIP

Problema interessante é a aplicação do Plano Geral de Metas de Qualidade para o Serviço Telefônico Fixo Comutado – PGMQ às ofertas de STFC no protocolo IP, em que o acesso à Internet se faz por serviço de comunicação de dados em banda larga. A enorme maioria das obrigações ali previstas parece compatível com a VOIP, mas algumas não serão simples de atender.

A obrigação de garantir a qualidade do sinal, fazendo com que o usuário receba sinais audíveis, identificáveis e nacionalmente padronizados (art. 4), pode ser atrapalhada ou inviabilizada pelo atraso (em milisegundos) e pela comunicação quase (mas não verdadeiramente) full duplex viabilizada pela tecnologia IP. Como a voz dos envolvidos fica metalizada, com um pequeno atraso na recepção dos sinais, o parâmetro do PGMQ seria descumprido.

De igual modo, a obrigação de garantir o sinal de discar em até 3 segundos, em 98% dos casos, nos períodos de maior movimento (art. 5) pode ser inviável, já que a alimentação de energia dos equipamentos de banda larga é feita pelas concessionárias de distribuição de energia e não obedece a esse critério de não interrupção: quando faltar energia, o PGMQ estará violado, salvo se o contrato de prestação de serviço com o assinante previr tal hipótese.

Por fim, a baixa taxa de queda de ligações (art. 8) será desrespeitada nas conexões IP de baixa qualidade.

6.5 SCM para prestar VOIP?

Serviço com estas características poderia ser prestado por autorizatária de Serviço de Comunicação Multimídia? Não, é a resposta. Ela decorre do
art. 66 do Regulamento do Serviço de Comunicação Multimídia, aprovado pela Resolução n° 272/01, que proíbe tal oferta, tanto quanto do item 12.2, III, do modelo de Termo de Autorização para Exploração do Serviço de Comunicação Multimídia, aprovado pela Resolução n° 328/03.

Mas, afinal, em quê o STFC e o SCM seriam distintos, nas ofertas de aplicações de voz? Caberia à Anatel a resposta, no exercício de sua competência para interpretar a legislação de telecomunicações (Lei Geral de Telecomunicações, art. 19, XVI), mas a súmula expedida sobre o SCM nada diz sobre o tema. Propomos alguns elementos de fato, distintivos entre STFC e SCM, como sejam (i) comunicação halfduplex, (ii) comunicação em redes fechadas (Virtual Private Networks’), (iii) comunicação dedicada a uma só modalidade de serviço diferente do STFC (terminais móveis, digamos), (iv) comunicação em canais fechados de voz.

Muitos intérpretes dos dispositivos normativos aplicáveis ao SCM negligenciam os dispositivos suprarreferidos e cometem o erro de fixar-se na restrição ao desempenho de função trânsito: “(…) o encaminhamento de tráfego telefônico por meio da rede de SCM simultaneamente originado e terminado nas redes do STFC”. O erro se acentua pela ênfase destes intérpretes na parte final do inciso 3 do item 12.2 do modelo de Termo de Autorização para Exploração do Serviço de Comunicação Multimídia: “(…) o encaminhamento de tráfego telefônico por meio da rede de SCM simultaneamente originado e terminado nas redes do STFC” é tratado como infração grave. Mas a norma é clara para afirmar que SCM deve ser diferente de-STFC, embora padeça do defeito grave de não esclarecer quais as diferenças esperadas ou aceitáveis.

6.6 VOIP entre terminais específicos

É possível prestar serviço de voz sob autorização do SCM? Sim, é a resposta. É claramente possível a prestação de serviços de voz, com características de telefonia, sob o manto de uma autorização de Serviço de Comunicação Multimídia. O cuidado deve estar com o elemento distintivo com o STFC, como antes demonstrado.

A oferta de SCM para aplicações de voz deve ser diferente do STFC:

Art. 66. Na prestação do SCM não é permitida a oferta de serviço com as características do Serviço Telefônico Fixo Comutado destinado ao uso do público em geral (STFC), em especial o encaminhamento de tráfego telefônico por meio da rede de SCM simultaneamente originado e terminado nas redes do STFC. (grifo nosso)

Cabe ao empresário de telecomunicações conceber ofertas de serviços de voz que sejam substancialmente distintas do STFC, sujeito à interpretação da agência reguladora (Lei Geral de Telecomunicações, art. 19, XVI).

6.7 VOIP num pacote de funcionalidades

A sofisticação da tecnologia tem produzido ofertas em pacote (bundle, no jargão em inglês, usado também no Brasil), nas quais a funcionalidade “comunicação de voz” é um pedaço menos importante, dentro do conjunto de funcionalidades. Exemplificamos com um serviço que envolvesse:

1. prioridade de chamadas: usuário estabelece prioridades entre os diversos números chamados ou chamadores, de modo que o terminal
repete as tentativas de conexão ou prioriza chamadas entrantes, segundo a hierarquia definida pelo usuário;

2. conversação simultânea (conference callf,

3. reconhecimento de voz: sistema identifica voz do usuário para realizar chamadas e liberar acesso a serviços/facilidades específicos;

4. vídeo conferência;

5. serviço de fax: armazenamento, transmissão e recepção de fax, com possibilidades de escolha de horário (por melhor tarifa, conveniência
do recebedor ou outro), de formato, de qualidade ou outras características;

6. monitoração da qualidade da chamada pelo usuário (aumenta ou diminui a qualidade, chamada a chamada, conforme o tipo de comunicação
desejada), com oscilação correspondente da tarifa; Trata-se de funcionalidade importante, em matéria de VOIP, porque as redes congestionadas
deterioram ao ponto da inviabilidade de comunicações de VOIP.

7. possibilidade de geração, envio e recebimento de mensagens de dados associadas ou não ao serviço de voz;

8. correio de voz, com possibilidades de armazenamento e movimentação das mensagens: o envio da mensagem para outro ou outros terminais
escolhidos pelo usuário ou para endereços de e-mail; gravação de mensagens específicas para chamadas recebidas de terminais específicos.

9. aviso de chamadas entrantes, conectado a e-mail ou telefone fixo (inclusive com a facilidade foliou me);

10. auxílio on-line, em múltiplos idiomas;

11. conjunto especial de tons (ou mensagens de voz), para identificar as diversas etapas da comunicação (sinal de linha disponível; linha ocupada; rede ocupada; terminal destinatário ocupado etc.);

12. acesso via computador ou outro tipo de terminal;

13. disponibilidade de acesso à Internet;

14. localização do destinatário (se o terminal discado estiver ocupado/não responde, o sistema repete as tentativas noutros terminais préprogramados);

15. outras funcionalidades.

Em qualquer dos casos antes mencionados (comunicação de PC a PC, PC tophone, VOIP aberta entre telefones, ou VOIP entre terminais específicos), a oferta associada destas funcionalidades, ou mesmo a oferta isolada de um sofisticado pacote: de funcionalidades, em que o serviço de voz não tenha relevância técnica, nem comercial, nem econômica, a avaliação regulatória precisará ser revista, jâxque a relevância da atividade regulada, no conjunto das atividades oferecidas, poderá determinar o reenquadramento regulatório dos serviços, ou mesmo a exclusão dos mesmos do escopo de atividades reguladas pela Anatel.

6.8 VOIP e tributos

A prestação de serviços de VOIP deve ser estudada com profundidade, também por conta dos efeitos tributários de seu correto enquadramento.

Quando VOIP se constituir em telecomunicação, serão exigíveis sobre o preço cobrado pelo serviço o ICMS – Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte, Interestadual e Intermunicipal, e de Comunicação, o PIS – Programa de
Integração Social e a COFINS – Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social, ambas em forma cumulativa, mais o FUST – Fundo de Universalização das Telecomunicações e o FUNTTEL – Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações (além do FISTEL – Fundo de Fiscalização das Telecomunicações, anual, sobre as estações respectivas). Não haverá incidência do ISS – Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza.

Já no caso de VOIP que não se constitua em telecomunicação, serão devidas as contribuições ao PIS e à COFINS, ambas em forma não cumulativa e, talvez, (sujeito à polêmica da exaustividadc ou não da Lista de Serviços da Lei Complementar n° 116/03) o ISS. Não serão devidos o ICMS, nem as contribuições ao FUST ou FUNTTEL, nem a taxa do FISTEL.

6.9 VOIP criminosa

Os serviços de voz sobre IP, enquanto comunicação de voz comercializada como tal, são regulados e sujeitos à autorização prévia da Anatel. Sua prestação pode caracterizar o crime previsto no art. 183 da LGT, com as conseqüências do art. 184 (dever de indenizar e perdimento dos equipamentos empregados na atividade, que é reputada clandestina), quando feita sem autorização da Anatel.

6.10 VOIP ilícita

Os serviços de voz sobre IP, enquanto comunicação de voz aberta e acessível entre terminais de quaisquer outras redes, caracterizam-se como Serviço Telefônico Fixo Comutado, e sua prestação sem autorização de STFC, expedida pela Anatel (mas com autorização de outro serviço de telecomunicação, que não o STFC), pode se constituir em infração administrativa. Casos há em que tal infração foi investigada e punida pela agência, com lacração de equipamentos e com aplicação de multas pecuniárias de R$18.000,00 (dezoito mil reais).

Em qualquer caso, a agência reguladora não poderá se furtar a sua competência de intérprete administrativa da legislação de telecomunicações e, portanto, de grande orientadora e fomentadora dos novos investimentos dos interessados na prestação de serviços de telecomunicações. Cabe à Anatel disseminar, com muito maior vigor e formalidade do que tem sido feito nos seus primeiros nove anos de existência, sua interpretação sobre os diversos aspectos da VOIP, de maneira a estimular concorrência no mercado. O silêncio do regulador aumenta o risco do investimento (já que o prestador de serviços não sabe os limites de sua ação, nem os limites das ações de seus concorrentes) e diminui a credibilidade do próprio regulador (cuja opinião ignorada fomenta as especulações).

Um passo importante seria a edição de documento formal (súmula seria o mais adequado), por meio do qual explicitaria (i) quais as formas de VOIP que não se constituem em serviço de telecomunicação, (ii) quais as formas de VOIP que se constituem em STFC e, por fim, quais as formas de VOIP que se enquadrariam nos demais serviços de telecomunicações (SCM, SMP etc.). O pronunciamento oficial da agência reguladora seria um estímulo aos operadores com interesses sérios no setor e um sinal grave para os que explorem as fragilidades do Poder Público no Brasil.

 

***CENEVIVA, Walter Vieira. Regime regulatório das comunicações de voz no protocolo IP (VOIP). Revista de Direito de Informática e Telecomunicações – RDIT, Belo Horizonte, v. 1, n. 1, p. 181-211, jul./dez. 2006.